quarta-feira, 31 de março de 2010

Sonhava.

Noite passada sonhei que, daqui trinta anos, sentava-me ridiculamente no chão de um hipermercado para catar os comprimidos para a pressão alta, e via-te passar. Estava toda pomposa empurrando o carrinho - devia ter acabado de descobrir que havia perdido cinco dos trinta quilos que havia ganhado com os anos. Estava vestida com um macacão que, hoje, chamaria de cafona, e tinha os cabelos - poucos, pouquíssimos - presos em uma trança mal feita. "Quem diria", pensei, ainda tinha aquela pose de - não tão - supermodelo de calendário de oficina, aqueles lábios que, de tão vermelhos, pareciam um estouro. Não conseguia e não pude conter a risada quando percebi que parava frente aos produtos e contava as calorias nos dedos. Quando foi que tornastes tão disposta eu não sabia...observava-te sem que percebesse-me - por hora -, mas minha risada foi tão estridente quando ajeitou as sobrancelhas no reflexo do vidro do congelador em que estavam os sorvetes, e apertou, com ingratidão a vida, a cintura com as mãos que, enfim percebeu minha presença. Olhou-me surpresa. Olhou-me vermelha. Olhou-me sem graça. Olhou-me pálida. E olhou-me com raiva quando percebeu que sequer pés-de-galinha haviam em meu rosto. Nos segundos em que permaneceu sem sibilar uma palavra sequer, percebi que tentava desvendar meu segredo. O olhar era, ao mesmo tempo, de um adolescente invejoso e de um historiador esfomeado. Não, minha cara, não te preocupastes, não estava ali para desvendar o segredo do Graal. O plano superior a minha existência era ela própria. Estava tu ali, de alma tão gorda no agora. E eu um homem de passado, presente e futuro intactos. Diria-te o porquê: foi por amar-te tanto, foi por querer-te tanto, foi por tornar a ti e a mim eternos, foi porque não amou-me, foi porque não quiseste-me, foi porque sequer deu-nos um espasmo de momento. Ou então...porque era apenas um sonho.

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