quinta-feira, 25 de março de 2010

Meia-noite.

Falavam-me dela, enchiam o peito de ar e a boca de admiração. Ela teria de ser o que há tanto nada havia sendo. Comentaram sobre sua postura, a cor de seus cabelos - tingidos pelo litoral -, a tonalidade de sua pele - esquecida pelo sol -, o oceano de seus olhos - ressaca acumulada de vinte anos destacada por profundas olheiras. A mesa estava posta, a cristaleira parecia ter sido saqueada, da cozinha vinha o cheiro nostálgico de infância e na mesa de centro estavam dispostas as garrafas. Primeiro veio o interfone, e então os olhares ansiosos. Depois veio a campainha e o tapa nas costas. Trancas e mais trancas, eis que a maçaneta girou. Empurraram meu coração até a boca, segurei-o. Eis que ela entrou, com saltos altos e mascando chiclete. Ali então estava ela. Olhei-a uma vez. Arrisquei uma segunda, depois uma terceira, logo depois a quarta e a quinta. Foi quando olhei-a - de novo - e tive a certeza: era amor à nenhuma vista.

Um comentário:

Yuri Nakakura disse...

"à medida que a imaginação vai desenhando os contornos de coisas não conhecidas, a pena do poeta vai lhes dando formas, e coloca um nada etéreo em uma habitação local e inventa-lhe um nome."

Shakespeare, Sonho de uma noite de verão