sábado, 26 de fevereiro de 2011

Boneca.

Eu tenho dito meu Deus, como se acreditasse nisso - nisso de ter algo meu, e de existir algo bem maior do que tudo isso que eu possa tocar. Eu tenho dito meu Deus e é como se eu tivesse pedindo para que alguma coisa viesse até aqui me salvar. Eu sei que estou procurando uma fuga, mas não sei do que tanto corro. E ao mesmo tempo procuro motivos para ficar, mas não vejo correntes, nem laços, nem porta-retratos com sorrisos que eu não poderia largar. De repente é como se eu não tivessa nada. Como se eu nunca tivesse tido. Mas não há vazio. Algo em mim insiste em não querer dormir. Foi quando me descobri desperto. De um sono inesperado, um coma induzido. Pela falta do que fazer. Não sei se ócio, ou ópio, não sei o que estou pensando. Não estou achando minhas palavras, devo ter esquecido no bolso da calça que coloquei para lavar. Quando eu me sirvo uma xícara de café, e acendo um cigarro, e puxo como se sugasse a alma do fundo do corpo de alguém, sinto estar vivo. Mas antes não me sentia morto. Ou não sei como seria me sentir assim. Eu vim para falar de amor. Mas estão todos cansados, de falar, falar, falar e não sentir. Nós estamos todos ligados. Nós somos tão ligados que estamos todos perdidos. Eu querendo uma coisa. Ele querendo qualquer coisa. Você querendo querer. Ela querendo nada. A outra querendo ela. E todo mundo sem saber no que vai dar, se vai dar. No final, todos perdidos. Como se fosse da nossa natureza. Mais ainda, como se fosse da natureza humana. Querer escapar de todos os rumos, fingindo estar satisfeito com o encontro deles. E procurando desculpas, mais e mais, e mais uma, e mais outra, para escapar. Não há nada a se dizer quando se repara mais nas sardas das bochechas de alguém do que na intensidade do sol. Ninguém foi feito para ninguém, e a verdade é que não há verdade. Você me aparece, e eu te perco. Distraído com os pontinhos dando cor às linhas do seu rosto. Nada se firmou para que ficássemos juntos. Nenhum encontro de galáxias, divisão de oceanos, intervenção divina. O que eu achei foi puro acaso. Querendo acreditar em alguma coisa. Depositei tudo em você. Essa vontade desesperada de possuir alguma coisa. De ser possuído por algo que me sequestre os sentidos. De me enlouquecer por um bom motivo. De sentir. De acreditar que o peito não serve apenas para ecoar o barulho. Foi ensurdecedor ter te conhecido. Ao ponto de desnivelar meu equilíbrio. De me desequilibrar de forma, aparentemente, sadia. Doses lascivas são aquelas que levam a morte. Nenhum corpo para ser tateado à procura de rastros, nem respingos de sangue. Doses lascivas de algo terno e abstrato. Amar você é como tentar voltar a superfície por ar. Descobri com o tempo. Desnecessário o uso de relógios, o barulho perturbador dos ponteiros. Só a sensação de, a cada vez que entrasse no seu corpo, estar me afogando em um oceano de nada. Um singelo vazio caminhando com dois pés tamanho trinta e cinco, apoiado em um par de joelhos convidando para um passeio montanhoso pelo resto do corpo, uma caverna como porta de entrada, umidade e silêncio. Nada de paz, só vazio. E as feridas em seus braços, o sangue coagulado, a descrença viral na vida. A vontade de atar fogo em tudo à sua volta. O descaso contagioso, a desesperança. Pessoas assim nos sugam para as próprias bolhas, e nos espetam, para verem até que ponto chegamos. Eu não durei muito. Nem você, até ser tomada pelos próprios demônios, aquelas vozes das quais você tanto falava. Que passaram despercebidas pelos meus olhos, até você se afundar, em poços ainda mais fundos do que aqueles que já havia visitado. E começar a se bater contra as paredes, e puxar os seus - e os meus - cabelos, e a falar sobre um amor que nunca foi seu - eu fui, mas amor, nunca houve amor vindo de você. Eu quis te machucar no final, por todo aquele inferno que você havia construído com as próprias mãos. Aparentemente tão delicadas. Mãos e rosto de boneca. Uma bela boneca russsa, daquelas feitas de gesso, com cabelos avermelhados, olhos sem expressão, hipnóticos. Uma boneca que se desfez com o impacto ao chão. Mil e um pedaços. Sem cola, nenhuma gota de cola restante para te trazer de volta à vida. Aquela cola com a qual fomos todos minuciosamente construídos, para sermos belos enganos, e nos aceitar como somos, ou para sermos belos enganos, e nos entregar falsamente reparados para os outros. Não haviam formas de te reparar, não mais, depois de tantas tentativas, só te sobravam buracos, e furos, e mais buracos. Sem ninguém para caber neles.

2 comentários:

Marina disse...

Estou perdida também. Eu estava caminhando numa calçada em alguma rua que me traz lembranças do passado, fingindo fazer parte de algo do presente, e surgiu um vulto e me empurrou. É como se tivesse sido jogada num canto.
Talvez sejamos todos como essas bonecas russas. De repente, a cada superfície que se desfaz no chão, outra se mostra, menor, porém mais detalhada, mais trabalhada. Ou como um queijo suíço: Quanto mais queijo, menos queijo. hahaha
... Mas alguma coisa sempre nos resta.

Julianna Motter disse...

Alguma coisa sempre nos resta.
Não sei se isso é bom o ruim.
Ter alguma coisa, o restante.
No cálculo do que vai e o que fica...tem coisas que não deveriam restar.