terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Amar Amor.

Era tarde da noite, beirando a madrugada, quando uma esperança - louva-Deus, que seja -, entrou pela janela do escritório. Nunca recebi visita de nenhum outro ser que não fosse você. Nem pernilongos, nem amantes, nem espíritos. Eu teria me assustado, se não estivesse com os olhos vidrados em uma foto antiga. Na qual estávamos nós dois, neste mesmo cômodo, cortando figuras de revistas, para que você fizesse o que chamaria, mais à frente, de obra-prima. Enfim, só notei a presença do intruso quando ele se prendeu aos fios de meu cabelo, que logo logo eu alisaria com a ponta dos dedos. Não hove susto, ou espanto, ou o impuso de tirá-lo de lá. Ficou, por um minuto ou dois. Antes de voar até a lâmpada e ficar por lá, por mais dez minutos ou vinte. Eu sabia que iria morrer se continuasse rodando em volta da luz. Ele, provavelmente, também. Não sei se esse tipo de bicho sabe ou sente as coisas. Foi mais ou menos assim que aconteceu conosco. Eu estava na mesma situação, caminhando pela sombra, sozinho, vidrado em alguma memória, pensativo, e sozinho, de novo. Quando entrei, de surpresa. E havia um homem sentado à mesa, encarando os próprios problemas ou fugindo deles. O homem que estava com você. E você, era a lâmpada, a única companhia. Toda a luz e, de repente, eu estava girando à sua volta. E você sabia que esse seria o mais claro caminho para minha morte. E eu não sei se sabia, ou sentia, essas coisas. Mas eu orbitei à sua volta, por dez ou vinte anos. Que se passaram, suavemente, sem que nenhum de nós notasse. Você era o encanto da luz, impossível de não ser hipnotizado. Eu era a esperança, e você me alimentava. Tinha seu par de olhos que só faltavam brilhar no escuro - de tão claros e chamativos que eram. Seu par de lábios, cor de fruta ou de vida. Seu par de pernas, agitadas. Seu par, que era eu. Que fui, por muito tempo. Mas perdemos o compasso da música, e os passos da dança. Quando nos perdemos, ficou tudo mais claro. Um clarão que me cegou, e o que lembro de ter vindo depois, foi o acordar de um desmaio. Foi quando eu voltei ao mesmo cenário, e eu era o homem abandonado, com a lâmpada acesa, e a visita de um louva-Deus. Nunca louvei ninguém, que não a mim mesmo. Pois eu era o homem, e você, minha mulher. E naquele tempo, esteve tudo bem. Porque eu te tinha, então tudo era calmo, e sincero, e bonito. Digo mais, era perfeito. Porque eu te tinha e, à partir disso, o mundo era outro. Pois éramos só eu e você. E nada mais importava. Não haviam motivos para nada mais importar. Desde que fôssemos, amantes, e confidentes, e enamorados. Desde que fôssemos um par. Como eu soube que meu visitante iria morrer com a força da luz, você soube que eu iria morrer com a sua força sobre mim. Mas ele foi mais ambicioso, atravessou a janela e foi desvendar outros mundos. Talvez até mais iluminados. Não digo que me arrependo. Pois te prometi que nunca iria mentir. Não enquanto eu ainda estivesse ao seu lado. Pois ainda estou, ao menos na minha imaginação. Eu não teria escapado de sua força, nem que você mesma me alertasse. Pois houveram alertas, e eu me mantive surdo. O momento do clarão foi o momento da morte, na qual você se foi, e a vida foi junto. Pois restou uma esperança faminta. Sem você para alimentar. Esperança de que aquele mundo sincronizado fosse perfeito e eterno. Como soubemos ser por tanto, mas tanto, tempo. A insaciedade mata, como mata, ainda mais, a saudade. Tenho morrido pelos cantos. Como é de praxe para um aspirante à poeta. O louva-Deus se foi, foi também a esperança. Que seria eu, no caso. Mas me mantive na espera. Depois da sua partida, eternamente espero. Ainda que me arrastando pelos becos, à procura de alguém que me clareie como, um dia, você fez. Ele foi desvendar o mundo, disso eu sinto inveja. Pois há tanta coisa que eu queria ter visto antes de ter te encontrado. Porque ainda havia, em mim, uma outra concepção do que é belo. Que hoje, se resume a você. Você aconteceu naquele momento, e eu não me arriscaria a escapar. Você era minha última chance, minha última esperança - visto que depositei tudo de mim em você. Eu ainda consigo te sentir, aquecendo meu par de asas. Que pouco voavam perante todo o seu céu. Tudo na vida, pelo menos na minha, é seu. Eu sinto sua falta. Como também sinto frio, quando encaro a realidade de sua partida. Eu era pequeno demais para você, ainda que me julgasse tão grande. Penso que nunca queria ter crescido, para não ter me empodrecido. O mundo é extremamente cruel - falo como se você nunca tivesse vivido. Com ele, me espanto mais do que com qualquer ser. Estou me sentindo só, mais só do que antes, quando não me restava nenhuma companhia. Eu preciso te olhar sorrindo na foto, para te sentir sorrindo de mim. Era tudo tão mais precioso quando não inundado em lágrimas. Você chorou, antes de ir. O tipo de choro que fica gravado. Dele não me esqueço, como não te esqueci. Mal sei como terminar essa carta, mal sei como consegui. Cheguei tão longe, que mal me vejo, sentado ali sozinho, fumando um cigarro, um último suspiro, um atraso. Eu faria de tudo, agora, para que você tivesse ficado. Eu não tinha forças, era tão pequeno, e você tão grande. Amar um amor assim, tão grande, às vezes diminui a gente.

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