domingo, 12 de setembro de 2010

Despontuado.

Sete horas da manhã os pássaros cantando enquanto o caminhão de lixo dá a última volta pela rua, sinto cheiro de enxofre sujeira grama molhada garoa fraca e fumaça. Acendo um cigarro sabor de tabaco um tanto amadeirado e cancerígeno preparo um café aguado sem açúcar, engulo junto a um punhado de remédios: anti-depressivos todos coloridos querendo fazer de tudo um pouco alegre e acalmar o coração que ainda vivia doído dum passado ao qual ainda vivo preso. Eu penso que queria ter asas e penso que o jornal está jogado lá na frente da minha porta de frente e penso em tomar coragem de levantar da cadeira e reparo na mancha de vinho tinto ocupando três dos azulejos brancos encardidos. Lembro do almoço às quatorze e penso em ir pelado porque de tudo louco é dispensado que nem daquela vez que fui me alistar no exército e contei dos anti-depressivos e das histórias sobre as marcas no pescoço e nos pulsos e chorei e falei o nome dela repetidas vezes e me olharam até que com pena que por pouco durou. E é quando ligo o som e Caetano começa com aquela voz suave me dizendo que estava com medo e sem cais e imagino que sem qualquer coisa alguma mais sinto até uma compaixão por ele que ainda parece esperançoso, penso que burro sem saber se sou ele ou eu e penso que eu podia ter escrito a letra da música e ter trocado o Congresso pelo Arpoador e colocado um saxofone para deixar mais blue mais triste como eu dizia quando me perguntavam em inglês e colocado alguma frase em outra língua estrangeira para ser cantada com a voz estridente do desespero. Canso do som deixo Caetano cantando sozinho na sala sigo até o quarto empoeirado escuro com uma mulher deitada pelada de bruços na cama de cabelos louros inclusive os que escondem o caminho lembro de repente. Não é ela ainda lembro não esqueço e não quero e nem posso está preso, eu penso. E novamente me deito e cubro as costas da tal mulher e ela pensa que é carinho e prende meu braço entre os braços e peitos dela e aí eu sinto nojo e quero ir embora mas estou preso e não me movo e nunca me movi e fico ali fingindo que estou gostando. E ela tem uma tatuagem tribal delineando as coxas e as unhas dos pés pintadas de vermelho e penso meu Deus! meu Deus! dormi com uma prostituta e lembro que foi somente a quarta vez na semana na qual só se passaram três dias e aí até me sinto meio prostituído nesse trabalho não-remunerado de esqueço não esqueço esqueço sim não esqueço mesmo e enfim desisto.

Um comentário:

Marina disse...

Muito bom! A estrutura, a história, a emoção e as palavras...