sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Segunda.

Passava o fim de semana, as garrafas desprovidas de fundo, os cinzeiros cobertos até o talo. Passava o fim de semana e logo era segunda-feira. Na cidade da seca e do céu aberto, nunca faltava uma segunda-feira. Voltava o trânsito, as crianças gritando no caminho para escola, as contas a serem pagas, a geladeira vazia. Eu só sabia dizer que o inferno havia voltado quando você aparecia de camisola no escritório, sacudia as cortinas e que-poeira-nunca-vai-se-livar-disso-não? E acontecia o mesmo estrago: eu balançava a cabeça, erguia os óculos e apagava o cigarro na parede. Você me dava um tapa nas costas, catava os copos e as quimbas do chão. Isso-ainda-vai-te-matar. E nem um bom dia, ou um beijo atrás da orelha. E você ia até a cozinha, e deixava alguma coisa cair, e me gritava, ainda sabendo que eu não me moveria. E você voltava descontando sua raiva e frustração na porta, e vinha me dizer que eu não prestava para coisa alguma, e rasgava as palavras que tanto tempo eu havia levado para escrever. E dizia essa-porra-não-serve-para-nada! E acha-que-pode-viver-disso? E que eu era muito cínico por achar que ainda tinha algum talento depois de tantas recusas, que dinheiro não cai no colo, e que tínhamos contas para pagar, e uma geladeira vazia pra completar. E ficava incomodada com minha cabeça apenas balançando para concordar, e com a caneta entre meus dedos. E me dava logo um tapa na cara, e segurava outras folhas, e de novo, rasgava. Isso não é poesia não! Isso não é arte não! Isso é depressão, meu querido! Isso é loucura! Isso é coisa para publicar na nota de rodapé de um jornal: homem-falido-de-30epoucos-anos-se-mata-de-desgosto! E continuava a acabar comigo, e eu a escutar como se já não doesse mais. E eu pensava que tudo bem, afinal, é segunda-feira. E você batia com os dois pés no chão. E eu lembrava das noites de Sábado, depois de algumas doses, você sentava no meu colo e me pedia para recitar o primeiro poema que te escrevi: Soube no primeiro segundo, era a mais bela, e segurava minhas mãos e meu mundo. E pedia para que eu repetisse, e eu repetia. E pedia para que eu sussurrasse em seus ouvidos, e eu o fazia. E queria tirar minha camisa e mergulhar na cama, e dizia me amar mais que tudo, e dizia que eu era um gênio, e me puxava pela barba e exibia meus olhos para os amigos, dizendo, ele-não-é-lindo? E por tanto intimidar, os outros prontamente concordavam, falando que meus olhos pareciam um-mar-sem-fim-vocês-não-acham? E pediam para que eu lesse alguns dos textos novos, e tímido, eu negava, mas logo cedia. E aí era sábado, e nos sábados era diferente, e era diferente até mesmo nos Domingos. Em que você acordava nua e com dor de cabeça, repousada em meu peito, pedindo água e cafuné. E então eu fazia de tudo, inclusive o café. E a gente passava o dia assim, se aninhando e se protegendo das dores que viriam. E as horas iam passando, e depois de tanto papo fora, você adormecia. Eu voltava para o escritório, para continuar as tão-brilhante-estórias que no dia seguinte você se esqueceria. E aí chegaria a inevitável segunda, com você aparecendo de camisola no escritório, sacudindo as cortinas e que-poeira-nunca-vai-se-livar-disso-não?

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo que dói!

beta(m)xreis disse...

gostei bastante também