segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Eu Te Preciso.

Sabe, eu sei lá, as pessoas falam tanto do cosmos, do zodíaco, da vida-é-um-ciclo-sem-fim, do ano em que o mundo há de acabar, dos grandes impérios que falecem logo depois de vigorarem. Sabe, eu sei lá, não entendo muito dessas coisas, eu acho que a vida é o hoje, quer dizer, o agora, porque daqui a pouco eu posso estar morto estatelado no chão, ataque do coração ou engasgado com uma pipoca. Sabe, eu sei lá, andei pensando muito nessas coisas. Que coisas, né, você se pergunta: nessas coisas solitárias e amendrotadas nas quais todo mundo pensa. O-que-vem-depois-e-viemos-ao-mundo-como-metade? Sabe, eu sei lá, não sei se é preciso pensar nessas coisas, mas a a gente sempre pensa, é quando o tempo ataca e a gente para de se importar apenas com os pés-de-galinha e os fios grisalhos. Sabe, eu sei lá, resolvi me poupar um pouco dessa paranóia em querer saber o que virá depois. Não sei, precisei me desgrudar um pouco da ganância e aceitar que não virá nada, e que, se vier, é para eu levar com surpresa, bater palmas e ainda-bem! Sabe, eu sei lá, mas resolvi pensar nisso de metade, vai ver porque ainda não encontrei a minha, ou deixei que passasse sorrateira por mim - por não ter pensado nisso antes. Sabe, eu sei lá, mas acho que isso de metade acontece mesmo, acho que tem um pedaço meu solto por aí. Sabe, eu sei lá, mas acho que nada tem sabor sozinho. O pedaço de carne que você está fatiando agora, ninguém comeria se não tivesse sal. Sabe, eu sei lá, mas acho que a vida não me engoliria sozinho, acho que falta a outra parte. E é por isso que depois de tantas perfurações, tantos vômitos, tantas tosses, ainda estou aqui. Sabe, eu sei lá, mas eu acho que as únicas coisas que prestam sozinhas são as frutas. Tipo a maçã, você não precisa de açúcar para saboreá-la, ela é boa assim, eu acho. Você não acha? Tipo que tudo que existe aqui é incompleto. Como, por exemplo, o próprio concreto. Ele não é só, é ele e mais um bando de coisa, e é assim que ele serve. Sabe, eu sei lá, acho que não vou ser engolido sozinho. Acho que até lá alguém vai surgir, vai rolar aquela identificação hollywoodiana de você-é-tudo-que-eu-sempre-quis, e viveremos ótimos momentos ao pôr-do-sol, e dormiremos agarrados, e teremos ótimas experiências na cama - e em outros móveis -, e talvez, discutiremos o bastante para nos sentir sufocados, e perceberemos que o sufoco só existe mesmo estando um sem o outro. E um dia, quando já tivermos dado o que tínhamos para dar, eu morrerei no meio da noite, serei levado pelos anjos, pela ambulância, eu sei lá. E ela aguentará mais alguns anos de luto, alucinações e dor profunda, e também se vá. Sabe, eu sei lá, mas acho que funciona mesmo assim. A não ser que você tenha deixado passar, e aí sim, aí sim você se torna inútil, insípido. E a vida só te engolirá quando lembrar que você ainda existe. Provavelmente em uma madrugada de Natal, enquanto todos se reunirão em volta da mesa, e você estará desmaiado no chão do banheiro, depois de ter inalado toda a neve tropical que pôde comprar com o dinheiro que roubou da carteira de uma velhota. Sabe, eu sei lá, é mesmo assim triste, mas acho que é isso, você não deu o que a vida quis e, então, morre quando menos espera, parecendo um cretino, um ingrato. Eu sei que não faz bem pensar nisso, mas de uma forma ou de outra, depois dos trinta e cinco, todo mundo pensa. Eu só quis te falar para você abrir os olhos. Sabe, eu sei lá, você sempre foi bem mais distraído, e não quero que isso aconteça contigo. E você sempre gostou de ceias e festas e presentes, seria tão cruel e triste. Sabe, eu sei lá, meu amigo, eu não quero que isso aconteça contigo, mas até pensei no que diria em seu funeral: um dia escrevi sobre a lua em seus olhos, quem um dia diria que hoje eu estaria escrevendo sobre o vazio em seu peito. E ter que dizer isso, seria de uma dor imensurável, porque eu teria te avisado. Tudo bem, pelo choque, a dor só viria no Natal seguinte, quando por descrença e descaso, eu talvez acabasse no mesmo banheiro, e no mesmo buraco, sufocado. Sabe, eu sei lá, mas acho que, até lá, eu já teria parado com essas coisas sintéticas, naturais, frenéticas, mas mesmo assim fico com medo. Sabe, eu sei lá, mas acho melhor eu achar minha metade logo. Ou se quisermos fugir logo disso tudo, eu posso dizer que a metade minha é sua, e vice-versa, e puta que pariu, eu preciso te dizer que não posso morrer sem antes ter você. Sabe, eu sei lá, saiu feito soluço, não tive como evitar. Sabe, eu sei lá, mas acho que isso tudo não veio da idade ou do álcool, puta que pariu, eu te preciso.

3 comentários:

Amanda disse...

Ei, muito bonito esse, sério!

Geovanna disse...

nossa, é, puta que pariu, eu sei lá...

beta(m)xreis disse...

putz... gostei muito demais.