sexta-feira, 9 de abril de 2010

Você Não Entende Nada,

Estirado no chão da sala, relembro da primeira vez em que fui a seu apartamento. Cheirava a boldo e alecrim e a iluminação era fraca, quase inexistente, pareceu-me - primeiro - um recanto, com seu ar sossegado de paz. Ela abriu a porta vestida em um robe lilás, cabelos ainda molhados de seu banho quente, ainda era possível ver o vapor escapando do banheiro. Falava alto, contradizendo o ambiente. Olhos recém-delineados, pareciam mais frescos, pareciam ter acabado de nascer. Pediu-me para que sentasse na sala e aguardasse um pouco, trêmulo, obedeci. Assisti-a entrar pela escuridão dos cômodos e voltar trajada em veludo. Parecia mais séria, estava falando mais baixo. Cheguei mais cedo. Não, foi pontual. Desculpe-me. Oras! Aceita um vinho? Parei de beber. E ela olhou-me surpresa, conheceu-me embriagado, trocando palavras por gemidos desconhecidos, falando a língua de coisa-alguma. Deduziu, achando que eu não perceberia, que eu queria parecer homem sério. E achando que ela não deduziria, era isso mesmo. Uma taça então, uma taça só. E voltou, com a garrafa da cozinha. O cheiro mais forte, parecendo quase meu. Seu perfume floral, meu desodorante barato. Seu rosto de boneca russa, minhas falhas na barba ruiva. Meus braços querendo-a mais perto, meu corpo fingindo descaso. Suas pernas, cuidadosamente cruzadas. Cabernet?
Carménere? Quis parecer entendido. Merlot, respondeu risonha. E seus dentes brilharam, feito céu estrelado. E eu não quis parecer bobo, mas não pareci outra coisa. Fitei meus olhos nela, cujos olhos fitaram no toca-discos. Adoro essa música, disse animada, cantarolando-a. Quando eu chego em casa nada me consola, você está sempre aflita. Lágrimas nos olhos, de cortar cebola, você é tão bonita... E o cheiro de alecrim e boldo, e a pouca luz, e a vontade de vê-la cortando cebola e de abraçá-la forte fingindo que a tragédia era enorme. Desliga o som, quis pedir, pensando baixinho. Essa realidade me irrita.

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