quarta-feira, 31 de julho de 2013

Que os anos passam...

Todo dia, mais ou menos às quatro da tarde, quando perto, mas não tanto, do pôr-do-sol, eu pego o ônibus em direção ao Centro. Nunca chega a estar cheio, mas alguma coisa no horário faz com que o automóvel balance o bastante para tornar o calor, já infernal, insuportável.

É o sétimo prédio no terceiro quarteirão, descendo pela Rua Quinze, paralela a Avenida Principal. É um prédio cujas cores variam do mais verde ao mais azul. Parece pintado por uma criança de quatro anos que, no meio do processo, escorregou os joelhos e caiu de cara espalhando a tinta sem se preocupar. Algo entre uma pintura abstrata e inocência que nos diz para seguir em frente sem medo de ser feliz.

Ou talvez nada disso, talvez só um reflexo dessa minha obsessão por procurar uma conexão entre cada uma das coisas do mundo e o mundo em si. Não, sinceramente, a obsessão não é essa.

Há vinte e cinco anos tomando, diariamente, remédios para ansiedade, minha obsessão está em observar milimetricamente toda e qualquer coisa, em tentar entender, na expectativa de, um dia, poder prever - e assim, me precaver do que virá.

Envelhecer é difícil: dói. Desde as juntas, aos ossos, até as mais profundas convicções. Envelhecer apunhala os sonhos. Mas como tudo: nunca é tudo. Portanto, também tem seus lados bons. Se não fosse essa minha cara de cão abandonado - na juventude, cara de cão raivoso -, eu não poderia me deslocar até essa exato prédio com a certeza de que sempre me deixarão entrar, sempre me deixarão subir de elevador até o décimo terceiro andar para, então, subir três lances de escada e chegar até cobertura. 

O sol se põe entre os dois edifícios na diagonal esquerda desse aqui. Ficou um vão entre eles, uma casinha colonial, que foi tombada ainda nos anos setenta, e que desejo sempre estar por ali. Por detrás de todo esse concreto, as copas altas das araucárias engolindo, pouco a pouco, o sol.

É ali a linha do horizonte. É ali onde a selva, não se sabe, é feita de terra ou de cimento. Se a selva é feita de cidade. Ou se a cidade é a própria selva. O sol se despede de mim, todo dia, ali. Ele abaixa meio receoso, temo que pense que cada um dos nossos encontros pode ser o último. Ou talvez ele nem pense - nem isso, nem nada - e por isso exista tão suave, tão majestoso.

Aqui, a trouxe pela primeira vez. Era magrela, sol que se punha no meio da neve. Metade dourada e metade, quase, translúcida. Parecia desenho. Na época, jovens, podíamos vir quando quiséssemos - quando tínhamos a sorte do zelador esquecer o portão aberto e se distrair. Logo mais os compromissos e horários foram se firmando, e passamos a vir cada vez menos. Até não virmos mais.

Há vinte um anos atrás, quando ela se foi - sem nunca, jamais, me deixar -, comecei a vir todo dia. Já era velho, barbudo, com cara de quem não tinha lugar, mas algum dinheiro no banco. Às vezes me barravam na portaria, mas nada me impedia, logo abria a carteira. Não marcava nenhuma reunião no horário, nada nunca que me impedisse. Venho, desde então, todo dia.

Com o céu alaranjado, avermelhado, indizível, consigo ver o rosto dela bem nítido dito dentro de mim.

Amor:
essa é uma das coisas
que de te mata
para te ensinar
a viver.

Feito foste poesia:
te encontrei
quando me
faltou
alegria.

Um comentário:

Giselle Alencar disse...

Que descrição maravilhosa e que vontade de um lugar assim!!!=)