segunda-feira, 22 de julho de 2013

Curto ensaio sobre o medo

"Em torno de mim jaziam poltronas tortas, vigas empoeiradas e objetos abandonados: era justamente o lugar comum a todos os meus sonhos".

Era uma quarta-feira. Acordei quando o ponteiro já alcançava o número doze. Apaguei por quatorze horas. Na noite anterior, decidi me render e, só dessa vez, tomar algo para dormir. Algo que não fosse um chá de camomila ou erva-doce - um ritual diário. Pretendia tomar um quarto do comprimido de Lexotan, mas a necessidade de uma noite dormida era tanta que, ao segurá-lo entre os dedos, tomei inteiro. De uma vez só, sem hesitar. Depois de engolir, pensei em avisar alguém. Não queria ser encontrada morta por overdose dias depois, sem gatos ao meu redor - sem que a história fosse apetitosa aos tablóides. Me ocorreu, de súbito, que eu não teria a quem avisar. Não por não ter amigos, familiares, próximos. Mas não havia ninguém que visse tamanho perigo num comprimido só. Ninguém que visse o perigo que eu via. Ninguém que soubesse o que aquele objeto minúsculo representava para mim. Pois ninguém mais, no mundo, sabia desse meu medo de remédios. Do meu medo anterior e muito maior que esse: o medo de provocar ou antecipar, por desleixo, minha própria morte. Algo como atravessar a rua sem olhar para os lados. Ninguém sabe que checo se fechei o gás toda noite, três vezes, antes de dormir. O medo visceral de morrer. Nunca contei a ninguém dos meus medos. Por ter, até mesmo, o medo de contá-los.

Eu ando sempre com algum bloquinho e uma caneta no bolso, e anoto tudo que me parece fundamental. Se, de repente, o ônibus de sempre atrasa, eu anoto quantos foram os minutos. E ao que esse atraso teria conduzido: os conhecidos que encontrei por acaso durante a espera, o tempo a mais que precisei esperar na fila da fotocopiadora. Também tento fotografar sempre tudo o que posso. Rostos também. De noite, quando chego em casa, separo tudo que capturei - em imagens, rabiscos, palavras - por datas. Tenho uma pasta para cada mês, dentro de cada ano. Faço isso há mais de década. As imagens não todas, as mais antigas precisaria digitalizar, e pouquíssimas estão com a data correta. Faço isso porque tenho medo de esquecer dos meus dias. Eu tenho medo de esquecer como alguma coisa, algo ou alguém, me fez sentir. Medo de que uma coisa, que foi importante, mesmo que por um dado momento, me escape para sempre. Acredito, nunca terei tempo de reler ou rever tudo o que acumulo mas me basta saber que, enquanto eu puder, estarão sempre guardadas e, de alguma maneira, inesquecíveis.

2 comentários:

Anônimo disse...

Os medos são meus. Preciso identificar no outro um pouco de mim p/ rir e chorar de nossas loucuras.

Espero a próxima atualização =)
Adorei!

Natasha Moreno disse...

Um de seus melhores textos.