terça-feira, 2 de julho de 2013

Pantomima

Quando conhecer alguém que te dê vontade de ficar: fique.
Quando encontrar alguém que te dê vontade de ficar: fique.
Se encontrar alguém que te dê vontade de ficar: fique.
Se conhecer alguém que te dê vontade de ficar: fique.
Se alguém, um dia, te der vontade de ficar:
não titubeie,
FIQUE.

Começo assim, incerto, um conselho que, há tempos, procuro alguém que mereça escutar.
É que as pessoas são, para mim, essa fusão entre admiração e repúdio.
Andei, fui longe demais, mas sempre que essas palavras se contorciam na cabeça para descer à boca: algo me fazia desistir.
Eu vivo de caçar defeitos.
Foi uma tarefa que alguém um dia me atribuiu, e nunca me esqueci. Alguém a quem eu quis muito. Quis tanto que cheguei aos devaneios que pretendo dividir aqui.
A vida vai se fazendo desfazendo refazendo pelos cantos. No tempo dela. Ou sem tempo. Fora dos relógios e ainda assim:apressada.
A vida passa e antes que perceba: você tinha esquecido seus olhos fechados.
São os lugares a ir, livros, álbuns completos, os prazos e tabelas, as designações para cada coisa, os feriados, festas de aniversário, signos, significados, significantes, alarmes, relatórios, happy hours, museus, galerias de arte, pontos de ônibus, manifestações, livros outra vez - agora com outro foco -, a academia, a poupança a ser preenchida a cada mês 
Tanta tanta tanta tanta coisa que no final:
me deu preguiça de escrever.
E um momento de lucidez que me trouxe de volta para a auto-preservação. Ninguém espera ter passado tanto tempo lendo, ouvindo, assistindo, observando para, no final, decretar o maior absoluto da vida:
o vazio.
Foi para isso que acordei cedo - nos anos de escola. Para isso acordei cedo - nos anos de faculdade. E fui dormir tarde, bebendo e querendo demais. Sendo, relativamente, pouco. Por isso acordei cedo - quando formado, para ir todo dia ao escritório, antes e depois da pós-graduação, do mestrado, doutorado. Acordei cedo para todo mês olhar o saldo da poupança e respirar aliviado por vinte segundos - até lembrar do dever de me superar no mês seguinte, e a cada mês que estivesse por vir.
Atropelei o pensamento com as mãos e revelei o que prefiro escondido:
esses vazios.
Que nos colocam a dormir. Que nos servem à mesa. Que nos enchem os carros. A sala. A cabeça.
Que nos fazem ter pressa para chegar logo a algum lugar.
Que lugar é esse?
De maneira difícil - e não que prefira as coisas entregues em mãos -, descobri que perdi noites de sono, de volúpia, luxúria, excesso: por nada. Noites à deriva. Noites que fossem - e isso de maneira a simplesmente serem. Perdi noites que seriam de muito, ou de coisa alguma, por nada. Cobranças, preocupações, dígitos e prazos.
Perdi a sensibilidade para com a vida.
Como eu ia dizendo: descobri. E é nessa parte que vem o mais difícil.
Ela era o oposto:
vivo de nuvens, dizia assim, as mãos vermelhas de tanto apontar para o céu.
E o que mais? Eu debochava.
de poesia - e arrumava um jeito de rimar dor com alegria.
Mas eu era sério. Eu era tão tão tão sério que mal me distraía. E não sabia sequer o que ela via em mim.
Ficou por um gigante espaço de tempo. Sempre que aniversariávamos, fosse mês ou ano, ela via motivos para comemorar. Eu reclamava de ter que usar gravata todo dia.
você não precisa - e eu zombava dizendo que queria viver no mesmo mundo que ela.
Ela não se irritava. Ela nem por isso parava de sorrir - nem de querer bem à vida. Me abraçava por trás, batendo o coração aveludado dela nas minhas costas duras.
Ela foi assim, ficando. E eu fazendo pouco caso do que ela tentava me dizer a cada vez que sorria. Quando muito irritado, depois de um dia de trabalho eu batia com força a porta e dizia:
você precisa de ajuda.
Numa dessas vezes, ela saiu pela rua.
Insônia - no terceiro dia, ao voltar para casa, encontrei um bilhete na porta. Tinha o nome dela, logo abaixo o meu, os dois ligados formando o símbolo do infinito.
Pensei na infantilidade de traçar algo assim - finitas, sempre tive certeza, são todas as coisas. Ao abrir, nas letras tortas dela, estava escrito assim:

Cheiro teu
na roupa
minha
Gosto teu
na boca
minha
boca minha à gosto
teu

Outros três dias, outro bilhete dela:

Somos todos
um papel
por debaixo
de alguma porta

porta
tanto
portanto 

se entregue
a quem te
tirar
da inércia


Aprendi que todo dia é dia de renascer - e combater esses vazios.
Passo noites acordado. Ou durmo sem pretensão de acordar.
Todo tempo do mundo é meu. E mundo meu ninguém me tira.
Todo dia renasço - e morro, mais tarde, de saudades dela.



*Hoje, postei dois textos no meu outro blog:
http://ateoriadonada.blogspot.com.br/

3 comentários:

Anônimo disse...

Me encontrei em cada palavra sua.

Anônimo disse...

Você podia muito publicar um livro com seus textos! Eu com certeza compraria! São todos lindos

Giselle Alencar disse...

Que texto gostoso!Adoro seu estilo de escrever.