segunda-feira, 8 de julho de 2013

Amores fusionais

"O que não tem medida, nem nunca terá.
O que não tem remédio, nem nunca terá".

Eu não sei o que leva as pessoas a serem como são. Não é isso que eu gostaria de saber. Eu quero entender o que leva uma pessoa a ser algo para outra pessoa - nem sempre o que ela realmente é. 

Eu quero entender porque ela foi o que foi para mim. Se quando em lucidez identifico que quem vinha a mim - por meus olhos, tato, enfim: sentidos - não tinha nada a ver com quem ela era em si mesma.
Por viver sozinho, estou acostumado a estar só comigo, mas me assusto quando nos aproximamos demais - o eu-sou e o eu-não-quero-ver. Estou certo de que todos se conhecem, cada um ao nível que se permite, a maioria nos mais rasos - mergulhar exige forças para além do suportável. Uns diriam sorte, mas tive o infortúnio de me conhecer além do que deveria - nunca vá para longe ao ponto de esquecer o caminho. O que constatei, e lhe repasso em forma de aviso, é que é possível guardar em si todos os tipos mais macabros de pensamento.
Pensar nessas coisas - pensar quem sou e pensar esses pensamentos -, principalmente pensar nela, vai me puxando todo o ar - desta forma, se dão as crises de pânico.
Meus pés estão inchados. Tropecei e parei ao chão bem na última curva. Estava correndo, completaria a trigésima volta no quarteirão. Corro quando me sinto em perigo - mesmo que fuja de ameaças imateriais.
Não tomo medicamentos - tenho certeza de que fazem mais mal que bem. Correr foi a maneira que encontrei para não me afundar.
Ela veio até mim de maneira engraçada. Eu sabia que ela tinha que vir - se não tivesse, nunca viria -, mas não consigo me livrar da impressão de que a maneira como essa vinda se deu não passou de um improviso. Algo deu errado no caminho, tenho certeza. Mas minha análise não importa agora.
Eu estava terminando de tomar um segundo café numa padaria perto da ponte. A primeira xícara era realmente minha, a segunda tinha sido recusada por alguém e eu não pude desperdiçar. Alguém que me recusou também, aliás, na mesma hora em que as xícaras pousaram à mesa.
O problema não é você...
Estamos querendo coisas diferentes...
Não me leve a mal, eu só te quero bem...
As falas eu já sabia de cor - o que me fez racionalizar e aceitar que só isso já era motivo suficiente para terminarmos ali, só isso já era motivo para não ser nada demais, ser só mais um. Mas deixou uma marca forte na memória quando, no momento em que apertou a bolsa contra o peito e se levantou para sair - deixando o café em perfeito estado -, fechou os olhos - como se transcendesse - e disse assim:
Que a vida sempre nos presenteie com pessoas doces. Mesmo que seja por alguns minutos.
Entrou no carro e nunca mais tive notícias. No mesmo momento, a frase bateu na cabeça e ficou. Como um mantra ou um pedido.
Ela veio até mim nessa situação engraçada. Onde eu tomava uma segunda xícara de café, ao invés de pedir um duplo. Seus cabelos reluziam ao sol, e achei que ela precisou se explicar demais só para conseguir açúcar.
Desculpa incomodar, mas na minha mesa todos os sachês já estão vazios, adoçante é cancerígena, eu até tomaria puro, mas estou sedenta por um doce e não quero voltar outra vez no balcão, está muito cheio não quero ser mais uma a gritar com o barista, você pode me dar um sachê de açúcar?
Eventualmente descobri que ela expunha explicações - todas elas e suas diversas possibilidades - para tudo. Descobri que era uma característica dela: a de nunca, sob circunstância alguma, deixar as coisas soltas no ar.
É muito perigoso deixar as coisas nebulosas, ela dizia.
Toda vez que eu perguntava como ela havia chegado a essa conclusão, ela desviava de assunto. Creio, portanto, que a nebulosidade deixou nela algumas dores duras lembranças.
Quão doces são as coisas que nos invadem e nos tiram da superfície de repente?
Por bastante tempo eu a via quase levitar pelos lugares. Isso que ela tinha de nada pensado ser indizível, lhe tirava todo o peso da vida. Sua presença por si só era capaz de neutralizar o mais pesado dos ambientes.
Nunca me esquecerei da primeira vez em que me declarei perdido por ela. Perdido nela. Espalhado, derramado, entre seus pêlos, olhos, cicatrizes, frases, desejos. Era madrugada, estávamos desde a tarde na casa de uns amigos - que descobrimos - em comum, abrindo uma garrafa de vinho atrás da outra, ajudando a encaixotar as coisas para a mudança. Ela foi subir num banquinho e, antes que eu visse, deu de cara no chão. Sem nem se levantar, ela disparou a rir. E ria, e ria, e ria e parecia que não ia parar nunca. Sem poder evitar, a embriaguez se somou a imensidão dos risos dela e eu disse:
Não sei como te olhar sem sentir vontade de deixar meus olhos para sempre em você.
Depois que as palavras saíram, eu pedi para que tivessem sido baixas demais para serem escutadas entre as risadas dela e as músicas vindas das caixas de som.
Não foram, não foram porque nunca ninguém me olhou daquela maneira. Ela se silenciou por mais de dez minutos e ficou me encarando. Tive a sensação de que ela via através de mim - para ter a certeza de que aquilo tinha sido dito com sinceridade. Nunca ninguém me segurou, e se segurou em mim, com tamanha vontade.
Eu queria entrar em você agora só para abraçar seu coração.
Quando ela soltou essas palavras, sem nem explicá-las, eu tive a certeza de que a quereria para sempre, sem me importar quanto tempo esse tempo nosso nos reservaria.

Eu a amei demais. Eu a amei indizivelmente - e sendo dessa maneira, de um jeito que ela jamais aprovaria. Tanta foi a entrega que eu me sentia culpado quando longe - viajávamos muito a trabalho, na época. Eu ficava perdido, sentia vertigem e me limitava as reuniões e os quartos de hotel. A sensação de ter algo precioso demais para desperdiçá-lo por aí. Mas eu a via desfilar, despreocupada. Conhecer pessoas novas, falar mil vezes durante o jantar sobre elas. Trazer coisas novas para casa, presentes. Dormir fora - depois de já ter se mudado para meu apartamento. Sobreposição de perfumes sobre a pele. De homens, mulheres. Sem perguntar, nada mais ela me dizia. Mas a possibilidade de escutar o que eu já sabia me doía tanto. Perto de explodir, um dia eu perguntei os motivos para isso - todos queremos saber quando não bastamos mais, e porque.
Não demorou muito mais para eu estar, outra vez, tomando meu café e um segundo que me foi deixado.
Eu gosto das coisas intensas. Porque elas independem do tempo. Só o fato de acontecerem, já é o suficiente.
Eu quis que sim. Ela não quis mais. Ela que queria sempre tudo e tanto.
Eu quero entender porque ela foi o que foi para mim. Se quando em lucidez identifico que quem vinha a mim - por meus olhos, tato, enfim: sentidos - não tinha nada a ver com quem ela era em si mesma.
Eu gostaria de saber porque ao me doar me doeu tanto.
Eu quero entender porque a leveza dela me foi tão pesada.
E porque seu amor me custa, ainda, tão caro.

2 comentários:

Anônimo disse...

lindo lindo lindo

Bárbara Gontijo disse...

Brigada bjs