segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Rascunho esquizofrênico

Vontade de sair. Procurar você. Sabe, seguir pelas ruas. Te assistir pedindo um café com leite. Achar bonito até isso. Preciso parar com as repetições. Segurar mais firmemente os olhos. Tudo mudou. Agora, imagine, se antes de desejar um bom dia, eu já te abordasse com uma confissão. Nós dois cairíamos na gargalhada. Desespero traz risos. Mas ouça, agora eu sei, errei. Sei exatamente onde. E mais ou menos o porque. Não deveria ter sido aquele tempo. Merecíamos ter ficado para depois. Tudo era bem bonito, mesmo que, por ser sempre tanto, acabasse se desperdiçando.
Sem drama, eu vim por meios da sinceridade. Mesmo que isso nunca chegue a seus ouvidos. Eu converso contigo falando sozinho. Fico sentado no escritório. Calor absurdo e o barulho ineficiente do ar-condicionado. Alguém abre a porta e se assusta: sou só mais um convivendo com os fantasmas das coisas que me arrependi.
Eu preciso trabalhar na minha narrativa descritiva. Anotar melhor o que se passa no mundo.
No hall de entrada, quatro quadros, três deles com paisagens urbanas - uma mesma cidade vista de diversos ângulos, suponho -, o quarto é retrato de algum santo. Uma mesa no canto, com uma variedade de revistas. Três sofás em tons de marrom, uma poltrona azul-marinho, uma mesa-quase-bancada, com uma cadeira torta, e Maria sentada. Maria é a recepcionista, senta nesta mesma cadeira há cerca de dezessete anos. Exibe o cabelo em um coque frouxo, e acho que isso nunca foi diferente. Varia as cores do blazer, mas usa sempre calças pretas, de cós alto. Tem as pernas desproporcionais ao resto do corpo, são longas demais. Mas nem a consciência disso afetaria seus olhos atenciosos e satisfeitos. Passa o dia intercalando livros espíritas com a agenda do escritório. Deveria deixar o cabelo crescer.
Eu trago saudade? Quando você pensa no rumo que toda a coisa tomou...em algum momento você já pensou que poderia ter sido de outra forma? Digo assim, agora que tudo parece só passado. Que "seguimos em frente", e somos praticamente outras pessoas.
Eu penso nisso.
Aliás, esse tipo de pensamento não tem saído da minha cabeça. Tenho me sentido na obrigação de mastigar as lembranças,
- O amor é um erro que todos nós cometemos.
Nesse dia, seus cabelos estavam especialmente longos vistos por trás. Pareciam um véu a ir se arrastando pelos corredores. E os corredores pareciam muito maiores. Seus ossos, sua estrutura óssea, você estava mais larga, forte, firme.
- O amor é um erro que eu cometi com você.
Eu deixo essas palavras repetirem várias vezes, fazendo cócegas nos olhos até aparecerem lágrimas. Os dias que se seguiram desandaram.
Nada tinha cor. Nem gosto. Nem cheiro. Eu não tinha vontade. Não levantava da cama se não me puxassem. Não trocava de roupa. Ignorava completamente o espelho. Me arrastava num esforço
Eu senti muita falta da falta que você me fazia quando estava logo ao meu lado.

Nenhum comentário: