quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Fragmento 2 - o que desandou

Presença turva, em meio a milhares de corpos. Noite de céu aberto, estrelas a serem contadas nas mãos e um frio de rachar os lábios.
Eu bem te olhava. Eu bem-te-vi. E bem-te-veria, daquele momento em diante. E você mal me olharia, porque certas presenças, de luz muito fracas, de lâmpadas quase queimadas, às vezes, passam imperceptíveis por olhos que podem olhar-oceano. Olhar-se-ano.
De alguma forma, desde aquele momento, você entrou. Você adentrou por todos os meus cômodos - internos e externos. Deixava as portas abertas e largava as roupas pelos cantos. Eu não suportava o seu descaso. Também não suportava o cheiro dos seus incensos, especialmente o de canela. Que me transportava pra um tempo passado. Sobre isso não falo, nunca te falei. Só me irritava e saía batendo pé. E você saía batendo o pé atrás. Contando assim, parece que tudo se deu imediatamente. Sua presença no mundo e ausência de algo em mim se fundindo numa soma perfeita. Meu corpo, em espírito, te pedindo para entrar. Me pedindo para me entregar. Como, se de repente, as forças do universo percebessem que a falta em mim tinha exatamente o seu tamanho.
Eu me aproximei. Eu me aproxi-metro até que fossem só centímetros. E ainda assim, você sentia dificuldade em me enxergar. Pressionava forte os olhos e eu me sentia a menor das coisas. Para minha sorte, eu falava bem alto, então você me soube ali. Me percebeu, ausência presente. E achou graça do meu esforço em ser notado. Achou graça, também, na minha dificuldade para pronunciar certas palavras. Por sorte, eu te causei alguma coisa, logo o riso.
Para a sorte se tornar azar, só é preciso trocar de roupa. Foram meses, e a passagem latente de um dia após o outro. Os joelhos barulhentos se arrastando pelas horas. O coração vindo até a boca e o gosto de ferro.
Eu sempre soube que iria embora. 
Eu sempre soube que, mesmo tendo acabado de chegar, estava de partida.
E que me partiria, num momento seguinte.
Mas te segui, mesmo assim. Pelos corredores pelos quartos as calçadas das cidades ruas estradas avenidas becos. Eu te segui de joelho correndo repetindo, a cada movimento, o quanto sua existência me movia. E eu te via e me via indo para frente 

E eu te amava. Nossa, como eu te amava. Como eu te amei. Como eu te quis e me refiz, só para caber. Só para tentar me prender em você. Porque assim, quando estivesse de partida, pronta para abrir a porta, pegar o elevador, e sair mundo afora, me carregaria junto. Me carregaria junto porque eu te pertencia. E você não poderia me tirar dali. Nunca me tirar de você.
Desmoronamos, eventualmente. E essa história se repete, com uma melodia que nos parece familiar. De algo deixado para trás ou imaginado.
As histórias se repetem, é assim com todas elas. Eu fraquejo, agora, ao tentar encerrar o que escrevo aqui. Parece desnecessário. E assim são todas as coisas. Repetições desnecessárias.
Sofro as dores desse amor-fratura:
exposto.
Mas que se repete,
de dor em dor
de história em história
de amor em amor.

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