segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Fragmento 1 - sobre a parte ou perda da nossa existência que se rompe

como ser
sem ser
seu?
como seu
sem ser
céu?

Sempre escutei que tudo acaba. Absolutamente tudo, sem exceções de qualquer tipo. Variam os motivos, as razões, a falta delas. De repente, começo a escutar que até o mundo vai acabar. O mundo. Digo, justamente o mundo - se eu pudesse escrever, aqui, as palavras de forma a representar o exato tom com que devem ser lidas, certamente você teria arregalado os olhos. Não me espanto. Não 
me deixo espantar. Já sabia que nenhuma terra é completamente firme para os pés. Mas quando o vento parece trazer sorte, a gente até se deixa acreditar.
Naquela tarde, dirigia o carro pela estrada, e me atravessavam todas as cores, todos os cheiros e todos as sensações. Na paisagem em volta nada que fugisse muito do verde, azul, e branco - soma das terras com o céu -, mas eu era bem maior. Naquele momento, naquela tarde, em que eu saí com o carro pela estrada sem rumo, onde me encontrei, eu fui bem maior. Eu fui e nada mais do que era ficou.
Às vezes a mente escapa e vai dar voltas em torno de um astro qualquer. Coisas absurdas parecem sensatas e pequenos detalhes deixam de ser contornáveis. Passo a observar o mundo com uma lupa.
Parei o carro. No meio da pista. No meio do - que pareceria - nada. Estacionei na grama e como se algo falasse por mim, fui descendo pela mata baixa. Não gosto muito de insetos, nem da natureza, mas não me detive. Mesmo coçando dos pés a cabeça. Mesmo com o rosto pingando suor.
A copa das árvores foi se tornando cada vez maior, ou eu passei a vê-las assim, mais verdes, mais altas, e de repente aquela natureza foi se fechando e me fechando nela.
Estava só. Fui sol. De cabeça para baixo.
Parei o corpo. No meio da mata. No meio do - que pareceu - tudo. Deitei na grama e como se algo falasse por mim, fui soltando os músculos. Eu parecia prestes a escorrer a qualquer minuto. Eu era tão parte daquilo tudo. Fui flor, e como for, fui terra, pedra, musgo, cheiro do verde, cheiro de cor. Que eu nem conhecia, mas soube de cór. De coração.
Ali, eu quase te esqueci. Deitado sob as sombras, escutando o que deveria ser um riacho.
Ali, eu quase esqueci que estava tentando te esquecer. Deitado, sem sombras que não me escutariam e nem me diriam o que eu deveria ser.

Os raios de sol que conseguiam atravessar, tornavam as folhas quase translúcidas. O mundo nunca tinha sido servido aos meus olhos de maneira tão crua. Estávamos nus, eu e ele, um de frente para o outro. Girando, girando, até nos vermos ao avesso. O mundo, num espasmo, pareceu um reflexo meu. E eu, finalmente, nos reconhecia. Ou conhecia, genuinamente.
Ao estar deitado ali, eu era apenas um pedaço de algo. Mas aqui, dentro, eu me sentia inteiro.
Nunca tendo sido fácil te esquecer, mesmo leve e desprendido, algumas imagens me vinham à cabeça. Você perdendo o bíquini no meio do mar, seus cabelos molhados e cheios de sal cobrindo seu rosto desesperado. Quando subia nas cadeiras para alcançar os objetos nos armários. Quando ralou o joelho ao cair da bicicleta. A primeira vez que bateu o carro. Eu só lembro de ter a certeza de que me amava quando precisava de mim. Quando eu me fazia necessário e você me olhava uns olhos arregalados, os braços em volta do meu.
Eu caí no erro de achar que só se ama uma vez na vida. E aí eu te amei por uma vida inteira.
Me desesperei, quase entrei em colapso. Os prazos se acumulando na mesa e você me dizendo que estava de partida da minha vida. Vida da qual achei que até eu queria sair. 
Eu joguei, muitas vezes, para cima de você o peso das suas próprias palavras. Antes, sem nem saber que as palavras não tem peso. São entes leves. O peso é o que está na gente. 
Eu te cobrei o número de vezes que repetiu "para sempre". E só depois fui perceber que a eternidade está no coração de quem sente. Foi o que deveria ser - e assim são todas as coisas.
Parei o coração. No meio das recordações. No meio do - que virou - nada. Encostei com as mãos no centro do meu peito e como se tomasse posse de mim outra vez, fui te soltando. Te vi ser borboleta e te vi voar de mim para bem longe. Me vi ser raio de sol, no maior esforço para atravessar e tornar translúcidas as folhas, e voltar para mim.
Ali, eu fui tão maior. Fui tão eu. E eu é uma palavra tão pequena para o ser. Fui o que deve ser a existência rompendo os limites de seu próprio corpo para, eventualmente, abrigar um outro.

Um comentário:

Anônimo disse...

menina poeta,

e fiquei sem respiração, ofegante outra vez! que texto lindo, visceral!

Rívea