sexta-feira, 17 de maio de 2013

Primeiro, o tempo...

A impossibilidade de um outro te fazer feliz não pode ser sua incapacidade de ser feliz.


Subir quatro lances de escada. Segurar a maçaneta e todo o seu desgaste. Respirar fundo. Abrir a porta. Dar dois passos. Te encontrar ali. Olhar, abrir bem os olhos, enxergar tudo o que há ali. Tudo o que resta. O que sobrou. Um cheiro, uma lembrança. A televisão ligada, pia cheia de louças, sapatos jogados no chão. Abrir a porta e te encontrar ainda ali, preso a mim por um laço frágil, invisível.  Sentado no sofá. Lendo o jornal. Abrir, outra vez, os olhos. Limpar os ouvidos - em vão, pois nada foi dito. Nada, nunca mais, foi dito. Repetir em voz altas as cores que haviam. Por que desbotaram? O que ficou de mim, de você, de nós? O que pôde ficar - teve escolha - e não saiu correndo? As finas paredes que sustentam todo um apartamento. Quanto peso suporta o amor?
As mãos desencontradas. Rotineiramente, silêncio. As pernas inquietas. Infindáveis desencontros.
Qual dor é maior do que olhar para um amor que não está mais ali?
Não, não porque acabou. Mas porque desapareceu.
Qual dor é maior do que revirar todas as gavetas atrás dele?
Chorar pela morte de algo que não morreu. Não ter corpo para sepultar. Não poder enterrar aquilo que você viu crescer. Chorar pelo pó. Pelo vento, pelo nada. Não ter pistas. Olhar para fotos do que foi perdido.
Quem levou ele embora?
Procurar um culpado. Sem olhar para as próprias mãos.
Tampar os ouvidos - perder todos os sinais.
Te ver infeliz. Me ver infeliz. Nos ver - imaginar. Um coma induzido no outro.
Te esperar chegar - sem nunca mais ter estado ali. Separar todas as coisas. Cada um com a culpa que lhe pertence.
Constatar, ali sim, que não há mais nada - pois sentimentos sem corpo físico não se manifestam, e forças que não se manifestam apenas inexistem.
Tentar demais. Bater cabeça, ombros, joelhos - para nada.
Eu te vi chorar, já era tarde demais - por impulso: culpar o tempo.
Você querendo ficar - mas esse tempo já tendo ido embora.
Todo o desespero. Mas costume é muito diferente de amor.
Eu te vi segurar minhas mãos. Mas já era tarde demais.
Eu fechei essa porta. Bati com toda a minha força. Como se nada me doesse. Como se coisa alguma pudesse me atingir. Pedaços despencaram - da porta, da parede e do impacto.
Fui andando de costas, ainda com os olhos vidrados - esperando algo mais acontecer.
Meus joelhos mal conseguiam dobrar - por um segundo, tive mais medo de ir do que de ficar.
Nada aconteceu.
Foi tudo só silêncio - em mim e ao redor.
Como tivera sido - já antes, e desde então.

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