quarta-feira, 8 de maio de 2013

Carta para alguém bem mais perto

"A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta".

Ainda corro para o telefone. Quando não me detenho, chego a apertar oito teclas. Espero uma voz sem rosto - mas já tão íntima - me dizer que este número não existe. Que este número não existe mais.
Em geral, eu não reajo. Eu mal consigo afastar o aparelho do ouvido. Eu gosto das cócegas que ele faz ao encostar no rosto. Eu que me encosto dele. Fico assim, quase que abraçada, por uns cinco minutos. Depois um barulho grave, estático, se prolonga. E eu acordo.
Não deve ser nada sério, mas tenho me desligado bastante. Eu estou ali, discutindo a ocupação no Congresso Nacional, logo depois entro nos méritos do fanatismo religioso, e então chega a minha deixa: hora de mencionar Durkheim. Mas eu sumo. Desapareço. Meus olhos, disseram, ficam vidrados num ponto qualquer. Um ponto morto. Um ponto nada.
E não adianta repetir meu nome. Nem empurrar meu ombro. Nunca tentaram jogar água, mas não me parece eficiente também.
Não sei no que penso. Aliás, acho que nada-penso. Acho que saio para viajar, e no inconsciente do meu inconsciente - ao qual, nem se eu quisesse, teria acesso -, devem parecer dias. Talvez esta seja a forma que meu organismo arranjou para me dar um descanso.
É que eu tenho vivido sem parar - sem pedir férias, nem um instantinho de morte. Tenho ocupado minha mente, meu corpo, a mente dos outros e seus corpos. Estou ocupando todo o mundo - e nisso de me esticar tanto, tenho sentido cada vez mais vazios. É que aumentei tanto de tamanho, que as coisas dentro de mim começaram a parecer muito menores. Ou elas diminuíram consideravelmente e, a partir daí, eu precisei me multiplicar.
Eu só sei que olho para mim e sou só entulho. Um conjunto de dados, objetos e informações que se desfizeram no caminho. Uma mensagem passada incorretamente.
Se não tomo cuidado, abro a porta de casa e saio chamando seu nome. E fico tão brava quando não responde. Abro a porta com tudo - pronta para te descobrir achando graça de tudo - e não encontro nada. Nada mais existe ali. Constato que, em algum momento, todas as coisas deixam de existir. Outra vez, sem juntar nada, eu viajo.
Não sei no que penso. Aliás, acho que nada-penso. Não resisto ao enxergar sua falta e saio desembestada a te procurar.
Não deixo recados, só o corpo.
Mas no mais, acho que vai tudo bem. Se durmo uma boa noite, com umas boas três horas, consigo passar bem os dias - aguento só ir atrás de você umas duas vezes, voltando rápido sempre.
Quando eu penso até onde eu vou, não me escapa de tentar imaginar onde é que você está. Para onde você foi...
Eu gosto de pensar em um lugar aberto. Com três ou quatro prédios, mais ao fundo, e a maioria do espaço ocupado por casas coloniais, araucárias e pequizeiros - o impossível. Casinhas de todas as cores. O céu sempre arregalado, sorrindo para tudo que o habita. Nuvens só depois do almoço, para você tirar seu cochilo. Umas mesinhas soltas pela rua,  cercando um único bar, onde todos se encontram. Um lugar onde tudo vibra, e ninguém se sente sozinho.
Gosto de te imaginar com seu vestido todo colorido. O que você usava todo ano, no Carnaval. Fumando, ainda, seus cigarros. Mas completamente em paz. Eu te vejo ao lado das pessoas que, a partir de algum momento, te faltaram.
Você nem resmunga mais!
E fica levantando a voz toda vez que pensa em mim. Para contar de quando dei meu primeiro passo. Do meu joelho rasgado. Do resultado do vestibular.
Você sentindo minha falta - e logo sendo preenchida por outras coisas. Saindo e colhendo as pimentas no quintal. Pensando que nunca estivemos tão próximas - não é preciso dar nem um passo.
Eu gosto de pensar que dor é coisa que precisa sair, primeiro, da cabeça para só então chegar no coração - então nada disso me dói.

2 comentários:

Bárbara Gontijo disse...

Você escreve muito e tipo me toca muito.
Talvez seja legal vc saber que isso chega aqui.

Beijos!

Anônimo disse...

"Eu gosto de pensar que dor é coisa que precisa sair, primeiro, da cabeça para só então chegar no coração - então nada disso me dói." Eu gosto de pensar isso tbm!