sexta-feira, 17 de maio de 2013

O significado pleno do nada

"Senti um abraço forte, já não era medo.
Era uma coisa sua que ficou em mim..."



Hoje levei cerca de quarenta minutos para conseguir chegar em casa. Eu só venho de carro para não chegar muito suado. Não é nada longe. Uns dez minutos a pé - se você tiver muita calma. Mas eu suo muito - é por causa da ansiedade.
Eu fiquei pensando nas coisas que ficaram para trás - isso acontece com tudo. Fiquei pensando que o cara, no carro do lado, deveria estar pensando na mesma coisa - outras coisas numa mesma coisa. Fiquei pensando que a gente só pensa nisso. Porque pensar no que virá dá dor de cabeça e insônia. Ficar esperando. Tudo é só isso aqui?
Acordar às seis - escovar os dentes, tomar o café, escolher gravata. Fazer o caminho em cinco minutos - saio antes para não pegar engarrafamento. Entrar numa sala toda bege. Com pessoas beges desejando um bom dia. Computadores escuros. Quadro de recados. Metas a serem alcançadas. Reuniões. Café de má qualidade. Ar-condicionado. Persianas - nem um rastro de sol para nos conectar a humanidade.
Sair às dezenove - recolher os papéis, deletar os e-mails, conferir a maleta, trancar as gavetas, desejar boa noite. Enfrentar engarrafamento. Morrer de calor, de sede, de tédio. Pular de estação de rádio em estação de rádio. Espiar o que acontece no carro ao lado. Pisar no freio - sentir cãimbra, puxar o freio de mão. Tentar manter o bom humor - logo mais, perdê-lo.
Entrar no apartamento. Tudo muito branco, clean - é o termo em decoração para "viver só". Me servir de uma taça de vinho. Comer comida congelada. Assistir o jornal. Tomar banho. Decidir entre cueca branca ou preta. Dormir, só hoje, sem cueca - e repetir amanhã.
Acordar, acordar, acordar...
Sem querer nada disso.
E de manhã, quando se o olha no espelho, perguntar - sem depositar muita confiança na resposta: o que você quer?
Eu quero escrever um livro. Deitado na banheira - como numa velha história de amor que nunca foi. Enquanto tomo, devoro, uma garrafa de merlot - e me lambuzo inteiro.
Quero sentir o mundo girar - e correr atrás dele. Dar voltas e voltas, sem nunca parar num mesmo lugar. Eu quero saber que isso aqui é a vida por vivê-la - não por ter lido no jornal.
Sentir o toque, primeiro, da pele. O frio que sobe pela coluna e desliza para um beijo - ou a vontade dele. Os pés frios quando chega dezembro. A solidão - as experiências que vêm dela.
Viajar para lugares remotos. Sair sem ter para onde voltar. Não dever, absolutamente, nada para ninguém que não queira te receber.
Assim como você é. Assim como você veio. No que você precisa se transformar. Pois ser humano no dicionário não diz "ser uma coisa só".

2 comentários:

Diego Nathan disse...

A ponte


Quando percebi que a morte faz parte da vida
Descobri que pular da ponte seria a coisa mais careta a ser feita.
Seria como trabalhar durante 35 anos na mesma cadeira, na mesma repartição
Na mesma posição, paisagem de si mesmo,
manchando os anos bissextos com algumas lágrimas escuras -

Tempestade mesmo, apenas uma vez, e pela vidraça, do lado de cá,
O do ar condicionado.

Nunca umas gotas pesadas na cara
Nunca a roupa ensopada junto ao corpo
Nunca a vontade de pular da ponte
E no segundo imediatamente anterior ao da carcaça estourando
Desejar umas belas, coloridas e lógicas asas imponentes.

Bárbara Gontijo disse...

Hoje eu comentava com uma amiga sobre a vontade de romper com os limites do mundo.
A vida aqui se tornou muito difícil de uns tempos pra cá. Os tempos nos engoliram. O tempo não tem mais a gente. A gente se esquece, né?