segunda-feira, 6 de maio de 2013

A natureza íntima do calor

Andei pensando no tanto de saudade. Quando ela me invade, parece carregar o mundo inteiro consigo. Meu corpo estremece, perde o equilíbrio. Eu me acabo. Fico sem chão.
Como pode a vida toda, de repente, parecer um nada? Perder o valor. Parecer comprida demais para seguirmos em frente.
Eu decidi ir embora de São Paulo, antes de decidir vir à Brasília. A primeira coisa levou a outra. No final, me vi pousando aaqui. Brasília: onde nascem e morrem os sonhos. Terra da razão e da histeria.
Nunca tinha visitado a cidade. Mas já tinha estado próximo, fiz uma conexão no aeroporto daqui. Fiquei três horas sentado, olhando as pessoas, os aviões e o nada. A utopia é horizontal, pense. E o engraçado é que são as linhas verticais que expressam o plano das ideias.
Não parece fazer tanto tempo. Hoje, oficialmente, sete anos. Parece ontem. Eu estava nervoso, e quando pude olhar do avião: o Congresso. Eu quis voltar. Eu quis voltar porque eu imaginei ela se espichando toda para olhar pela janela.
Fui embora para deixa-la para trás. Eu a deixei trancada no antigo quarto. No antigo apartamento, sem móveis. No passado. Eu a deixei em outra cidade. Fui embora por não conseguir mais viver com ela.
Ela - que me deixou primeiro. Ela dizia bem assim, que cuidaria de mim para sempre. Que nunca me deixaria só. Que eu nunca me sentiria sozinho.
Era feriado e era domingo. Eu só escutei o corpo dela se espalhando pelo banheiro.
Me disseram que foi uma dessas coisas que a gente não pode prever. Tem um nome, que não gosto de lembrar.  Pode ser genético, o médico disse. Que passa de pai pra filho. E eu já sabia, que passa de geração para geração – infinitamente – esse nascer para morrer.
Eu fiz várias perguntas, como: qual o sentido da vida? Mas não descobri. Passei cerca de um mês aéreo. Alheio ao resto do mundo. Eu ria muito, e ria de tudo. Tudo tinha graça, tudo era vivo, as cores e coisas todas mais fortes. Eu via o mundo explodindo como o céu em noite de ano novo.
Depois quis fazer limpezas. Seguir em frente. A vida tem que continuar, né, eu dizia o tempo todo.  Tudo bem? A vida tem que continuar, né. Como você tá? A vida tem que continuar, né. Aceita um café? Sim, a vida tem que continuar, né.
Dessa época, as lembranças são um pouco menos claras. Joguei muita coisa fora, sem precisar. Eu devia imaginar estar tampando um buraco, tampando tão bem que nem me lembraria de, um dia, ter existido um.
Eu a esqueci um pouco. Ao mesmo tempo que me sentia à espera dela. Sei lá, inconscientemente, a imaginava em uma viagem com os pais para o Nordeste. Em reuniões de trabalho, uma seguida da outra, em lugares tão periféricos que nem se tinha acesso a celulares.
Depois ela começou a vir mais para perto, e me assustei. Eu esperava a hora de encontra-la na estação de metrô, para descermos a Augusta, lancharmos na nossa padaria favorita, e chegarmos em casa. Eu a esperava sair do banho. E ficava irritado quando ligava e seu telefone estava desligado. Queria contar para ela o restaurante que conheci, na hora do almoço, com os carinhas do trabalho. A promoção que teria no cinema. Contar da minha dor de cabeça. Ela não estava mais aqui.
E onde eu estava? Aí foi quando veio o choque – já tinham passado cerca de seis meses. Ela não voltaria. E onde eu estava? Porque eu a via atravessando o corredor, batendo a porta do banheiro, desligando a televisão, atravessando a Paulista, molhando o pão com manteiga no café.
Foi quando decidi sair e vim parar aqui. Achando tê-la deixado também. Mas se me distraio, logo tudo explode outra vez.

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