quinta-feira, 23 de maio de 2013

Onde o infinito toca o chão.

"Love is a dress that you made
long to hide your knees".

Eu fui te apagando como se tudo não passasse mais de nada. Como se o tempo fosse um pedaço de argila fresca em minhas mãos. Eu não me esqueço da forma como as coisas se deram. A gente repetia assim, com o peito cheio de orgulho: era para acontecer. Achando que isso tornaria tudo tão mais singular. Hoje, eu sei, são assim todas as coisas da vida. Feitas para ser. As que não são, simplesmente não existem ou fogem de nosso conhecimento.
Foi natural. O desenrolar das coisas. Porque eu estava ali e você também. Estávamos cada um de um lado. E depois, um ao lado do outro. Cada vez nos aproximando mais e mais, num movimento assimétrico, mas também contínuo. Já perto do fim, éramos - sem que pudéssemos ser - um só corpo, um em cima do outro, uma figura só. 
No começo, você me olhava. E eu desviava. E aí te olhava. E repetíamos os passos. Prolongávamos essa encenação por horas. E quando dava tempo - entre um olhar e um desvio -, íamos tentando capturar tudo já tatuado na pele, que ficasse exposto. A constelação de sardas, a cicatriz debaixo do queixo, a marca do bíquini, as falhas na barba. Em seguida, foi a vez dos toques. Fechávamos os olhos e ficávamos nos tateando no escuro. Por fim, já sabíamos nossa linguagem em braile. Eu sabia te ler até do avesso, e vice-versa. Até chegar ao ponto de total transparência - ou existência de um somente quando no outro.
Era bem bonito: o sentimento, bem mais que o cenário. Porque tropeçamos, e arranhamos mãos e joelhos. Tínhamos, por dentro e por fora, novas marcas - provocadas, continuamente, por nós.
O sentimento não constava em nenhum dicionário ou enciclopédia - era só nos olharmos por mais de cinco minutos para lembrar disso. Era uma coisa solta no mundo. Completamente desprendida do resto, mas engendrada na gente. Quando tudo em volta se calava - para isso, era preciso trancar o quarto e fechar as persianas -, até o cenário mudava de tom. Quando distantes de tudo, o resto não era nem resto - pois nada mais tinha capacidade de existir. 
É preciso relembrar que houveram rupturas e, fisicamente, deixamos de estar do mesmo lado, por uma, duas, não mais que dez, vezes. E ainda anunciando o fim, o peito continuava a inchar, e a inchar cada vez mais. E quase que estourava - aí, então, eu buscava a sua, e você a minha, mão.
Eu lembro do tempo em que bastava te ver para ser virada de ano novo aqui dentro, outra e mais outra vez. Cada visita sua era uma chance de vida nova. Tudo em mim gritava. E eu te derrubava só para te prender em mim. E eu te levantava para parecer sempre necessário. E a vida era estar junto - erro. E nada mais importava. Pois eu era tão seu e, eventualmente, eu era tanto você, que fora desse casulo nada fazia sentido - engano.
Quando, finalmente, nos tornamos a anomalia de duas pessoas desejando ser uma só, as coisas estavam bem mais que soltas. As coisas: os laços, alguns invisíveis e outros não, que mantém as pessoas ligadas umas as outras. Você estava sentada em cima de mim, e eu debruçado no chão. Tudo variava entre preto & branco e sépia. Eu te lambia e nada tinha gosto. Eu lambia o chão e até isso parecia mais certo. As coisas todas acontecendo a nossa volta. E você espichando o pescoço para acompanhar. Algumas, mas poucas coisas, te faziam dar uns pulinhos. Nessas horas o coração até saltava. Mas o sentimento seguia existindo cada vez mais longe.
Preciso levantar, eu te disse, precisamos ir atrás de uma coisa. E nessa hora, você não quis ir comigo. Eu decidi ir sozinho - mas aí então, a coisa já se tornava outra. E você esperneou até não poder mais - dói abrir os olhos para a luz logo quando acordamos.
- O que aconteceu com a gente?
- A vida...


3 comentários:

Bárbara Gontijo disse...

Descobri que não te tinha na minha lista de blogs. Agora vai ser mais fácil, vou ver sempre que estiver atualizado!
=)

Beatriz Matos disse...

"E eu te derrubava só para te prender em mim. E eu te levantava para parecer sempre necessário."
Parabéns pelo texto, gostei muito.

Anônimo disse...

muito bom , acompanhando !