sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Vontades.

Quando a gente se encontrou...quando a gente se encontrou? É que às vezes confundo nossa história com algum de meus pesadelos - ambos me atormetam, e esfriam meu suor. Acho que era Dezembro, Dezembro de mil novecentos e...talvez nos anos dois mil, durante a virada, sob os fogos e gotas de champagne. Ou talvez em Fevereiro, de algum ano entre mil novecentos e dois mil, durante o Carnaval, pulando no asfalto quente, jogando os braços para o alto e cantando qualquer coisa que não fizesse sentido quando fora dali. Eu e você, na flor da idade, peles morenas, abertos à tudo que nos desse vontade, correndo atrás do trio - naquela época já haviam os trios? -, enfim, alucinando, pirando, brisando, com as cores - verde-planta, branco-folha, amarelo-areia, azul-céu, vermelho-paixão. Acho que fui eu quem se aproximou primeiro. Não sei se derrubei cerveja em você ou se te disse que seus olhos pareciam um par de jabuticabas. De nenhuma das duas abordagens me orgulho, independente de qual eu tenha escolhido. Eu devia mesmo era ter te pego pelo braço, aproximado bem meu rosto ao seu, e ter sussurrado que we'll always have Paris. Enfim, apesar das falhas - e frágeis - lembranças, eu sei que, quando a gente se encontrou...a gente se encontrou? Porque, às vezes, mais me parece que seguíamos duas linhas paralelas, e aí não é encontro. Se estávamos um de cada lado, no máximo acenando, não é encontro, não, não é. Mas, às vezes, eu insisto em dizer que foi: que foi, foi, foi sim, claro que foi, mas foi o quê? Foi bom, foi doce, foi eterno enquanto durou, foi embora, adeus. Quando a gente se encontrou, esse mais-ou-menos-desencontro, encontro, vice-versa, ao avesso, arriba, abajo, al centro e adentro, embalados no calor, el cariño que te tengo, yo no lo puedo negar, meio longe dali, mas não tanto assim. Talvez no México, ou mesmo em Cuba, ou numa outra dimensão. Aconteceu de nossos olhos se cruzarem, e algum tempo depois eu ir resgatando o exato momento na memória. Você estava vestido de preto, tão letal e antipático. Nessa memória, eu pareço ainda menor do que realmente sou, enquanto você parece maior e mais robusto. Mais homem e mais misterioso. Mais sonho do que pesadelo. Mais desejo do que repulsa. Você, nessa memória, é mais o passado do que isso que se tornará agora. Aconteceu de rolar aquele feeling, no qual não se sabe se são os olhos ou as bocas que realmente se encaram, que não se percebe se o calor vem de fora ou do fundo. Aconteceu de alguns minutos depois, suas mãos estarem subindo por minhas coxas, e meus dedos estarem presos no seu cabelo, e de fazermos do amor uma obra violenta e insaciável: arrancando pedaços, todos eles, todos aqueles pontiagudos ou afiados. Meio que nos sentimos ameaçados, e tentamos construir muros para nossos castelos de areia. O vento vinha. De se adivinhar: o vento sempre vem. Não precisávamos ter nos machucado tanto, nem moído - e remoído - tantos sonhos e, depois, tantas mágoas. Eu sempre tive uma puta vontade de te colocar no colo e te dizer que assopraria toda vez que eu te ardesse. Mas você sempre tão forte, tão firme, com seus passos largos que mal desgrudavam do chão. Eu sempre tive uma puta vontade de te ver caindo e batendo os dentes no meio-fio. Não para que doesse, ou sangrasse. Mas para que você percebesse - e admitisse - que você também era frágil, e talvez mais - tão mais - que eu. Quando a gente se encontrou, e essa parte vem com uma clareza até juvenil - lembranças coloridas e açúcaradas dos primeiros amores -, você era dotado de um charme absurdo, de um calor absurdo, de um sabor absurdo: você era quase irresistível. Eu fiz planos, planos épicos, homéricos, transcendentais, carnais, inconscientes, bobos. Contruí mansões e casas de praia - que destruí quinze segundos depois por não gostar da cor das maçanetas -, viagens exóticas, eróticas e, às vezes, até espirituais. Sabe como é, você sempre pediu para que eu fosse menos cético. Eu nunca precisei tocar para saber que nosso amor existia. E ele era tão lindo - quando desligado da gente, voando solto por aí -, tão liberto dessas correntes racionais, desses ismos e esmos: tão lindo. Quando eu penso nele, eu penso na gente, eu penso em você e, principalmente, em mim. Quando a gente se encontrou, eu me perdi. Quando a gente se perdeu, foi quando eu me encontrei de verdade. Eu sequer sei dizer se as coisas que senti por ti foram humanas, mas foram elas que me trouxeram essa consciência de vida e dualidade. Apertou, rasgou, doeu. Ainda dói. Continuará: só uma previsão. Mas eis que disso surgem as graças: não nego, ainda te procuro. Procuro você, que nem mesmo em você encontro. Acontece de acontecerem as mudanças. Daqui à pouco a dor vira borrão, e nós nos cruzaremos por aí sem que aconteça sequer um reconhecimento. Eu sei que vou te amar, além de Vinicius e Tom, e você foi a única coisa certa em tudo que eu fiz. Essas coisas a gente vai dizendo, falando como coisa-qualquer, que é para ver se entram de vez na cabeça. Eu tenho uma vontade de te dizer pra te trazer de volta. Aquele mesmo de quando a gente se encontrou. E que, por hora, ainda não me foge da memória, feito nostalgia bandida, mas que perdura com gosto de saudade e ilusão. Eu tenho uma vontade de dar meia volta e abraçar esse você que não é mais o mesmo, só porque ainda carrega alguns traços, e ter algo entre os braços, fingindo que é menor esse vazio. Eu tenho uma vontade de responder quando me chama, daquele mesmo jeito que te respondia antes, derretendo. Só que, hoje, caio aos pedaços. Eu tenho vontade de pedir que, para sempre, me procure. Pois, quem sabe? Eu não. E ao mesmo tempo, vontade de te dizer: fica longe e se segura, tá? Pra não me derrubar.
De novo.

4 comentários:

Marina Borges disse...

Gostei bastante desse, Ju!
Parabéns :)

Diego Nathan disse...

Conhece o amor. E conhece a Lolita?

"o que a gente chama de amor é apenas o álibi consolador da união de um perverso com uma puta, é somente o véu rosado que cobre o rosto assustador da Solidão invencível.
vesti uma carapaça de cinismo, meu coração é castrado, sou a Dependência lamentável,a zombaria do Engondo universal; Eros com uma foice enfiada na sua aljava.
amor, isto é tudo que a gente encontrou para alienar a depressão pós-cópula, para justificar a fornicação, para consolidar o orgasmo. ele é a quintessência do Belo, do Bem, do Verdadeiro, que remodela a sua cara escrota, que sublima a sua existência mesquinha.
bom, eu o rejeito.
pratico e louvo o hedonismo mundano, ele me poupa. ele me poupa das euforias grotescas do primeiro beijo, do primeiro telefonema, escutar uma dúzia de vezes o mesmo recado, de tomar um café, uma bebida: as reminiscências da infância, os amigos comuns, as férias Côte d'Azur, seguindas de um jantar: os escritores prediletos, o mal-estar de viver, o porquê sair todas as noites, a primeira noite, seguida de outras mis, não ter mais nada o que dizer, foder para preencher o vazio, perder até a vontade de foder, se afastar, mas ficando mesmo assim junto, brigar, se reconciliar escondendo que no fundo tudo está morto, ir foder com outros, e depois mais nada."

Louise Boeger disse...

Eu chorei MUITO lendo esse texto. Socorro.

Louise Boeger disse...
Este comentário foi removido pelo autor.