domingo, 21 de novembro de 2010

Tentação nº 1.

I. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço.
Lado a lado, você e ela. Uma, mulher inteira. Outra, magrela. Uma, mais séria. Outra, mais desengonçada. Uma, sentada aos pés da escada. Outra, de pé no meio da estrada. Uma, de pernas cruzadas. Outra, com os braços levantados. Uma, abrindo os meus botões. Outra, lambendo meu pescoço. Uma e outra, presentes em minha vida. (Vida: espaço de tempo delimitado pelo nascimento e pela morte; série de acontecimentos corriqueiros; tempos de depressão aguda). A primeira, conheci por acaso - a segunda também -, na última tarde ensolarada de Dezembro, em Copacabana, nos preparativos para os fogos e porres, catando conchas - ou seriam moedas? - na beira do mar. A segunda, também em Dezembro, em uma das primeiras tardes nubladas, eu jurando ser Bon Jovi, ela esperando que alguém virasse e thank you for loving me, na frente da Fontana di Trevi, jogando moedas - ou seriam conchas? - para trás.
II. Dois corpos não ocupam o mesmo tempo no espaço.
Ano por ano, você e ela. Você, anos oitenta. Ela, novo milênio. Você, a década perdida. Ela, o fim do mundo. Você, meio art déco, meio new wave. Ela, meio pode tudo, meio tudo pode. Eu e você, tomando Coca-Cola, escutando The Smiths, what difference does it make? E não fazíamos diferença alguma. A não ser que fosse um para o outro. E aí fazíamos diferença e tudo mais. Eu e ela, tomando Coca-Cola com vodka, escutando uns barulhos meio siderais, animais, ilegais e, de repente, tudo errado, tudo certo, tudo jóia, tudo agora, e nada mais.
III. Dois corpos não ocupam o mesmo espaço no tempo.
Tempo por tempo, ela e você. Ela, na cama feita de ipê. Você, na mesa do escritório. Ela, debaixo de chuva. Você, debaixo do viaduto. Ela, Outono/Inverno. Você, Primavera/Verão. E sol e chuva. E casamento e fuga. E amor florido. E amor brotando. E amor maduro. E amor secando.
IV. Dois corpos não ocupam o mesmo tempo no mesmo espaço.
Corpo a corpo, você e ela. Uma, ainda doía. Outra, já queria. Uma, não se esquecia. Outra, queria ser lembrada. Uma, ardia. Outra, queimava. Não cabia. Não contava. Não queria. Não entrava. Não vivia. Não enfrentava. Esbarravam, encostavam, confundiam, se safavam. Perna de uma, sorriso de outra, beijo de uma, gozo de outra. Chamava por uma, recebia a outra. Falava da outra, lembrava de uma. Trocando nomes e lençóis. E poemas em guardanapos. E juras de amor. E destinatários.
V. Um corpo não substitui o outro.
Outro a outro, eu. As pessoas têm essa inveja. As pessoas têm tanta inveja dessa pessoa que eu nem escolhi ser. Eu não sei se te cubro ou se me escondo. Não sei se eu te jogo ou se eu pulo. Eu não sei à quem falo. Não sei à quem me dirijo. Acho que perdi a direção, caí do muro. Acho que caí na loucura. Acho que caí na tentação. Acho que não sei o que falo, mas resisto e não me calo. A gente quer tudo. Eu queria um dia encontrar alguém assim, completamente perdido. Não sei de quem seria a perda, se minha ou do outro. Você e ela, e seus tempos que se encostaram pela vida. E seus corpos que se encostaram através do meu. O escritório, ao lado do quarto. No quarto, a cama. Debaixo do viaduto estaríamos protegidos da chuva. Lua-de-Mel-fora-de-época em Roma, comemorando vinte anos desde que havíamos nos conhecido. Vinte anos mais novos na praia. Uma vinte-anos-mais-nova de saia. A gente confunde e se entrega. A gente se entrega e se confunde. A gente não se entrega de verdade. A gente é mais gente quando com mais um pouco - de gente. A gente não precisa falar a verdade. A gente não precisa falar, na verdade. A gente se calou um pouco. A gente se calou por pouco. Por pouco a gente não se perde. Por pouco a gente se encontrou. Há tanto eu tenho tanto para te dizer. Há pouco eu fingi me esquecer. Nossos corpos de repente se tocavam. Você sequer percebeu meus espinhos - afinal, sempre fui, a ti, desconfortável. Ela me amou por tão pouco: óculos escuros, cabelos grisalhos. Você me amou por tanto: olhos marejados, charme, falhas, mais falhas. A gente tem mania de apostar moedas que não tem. A gente tem mania de colocar tudo em jogo. A gente parece que gosta de jogar tudo fora. Depois a gente vira e diz que foi por amor. A gente às vezes diz e, às vezes, é verdade. A gente não ama de propósito. A gente ama quando, de repente, vem a vontade. A gente até evita, evita, evita. A gente até tenta, adianta? Amor, quando preso, é amor da mesma forma. Amor, às vezes, bifurca. Quantos erros formam um acerto? Olha aqui, amor, me desculpa. Desculpa, amor - os dois. Às vezes eu só quero alguém para me tornar mais jovem. Às vezes eu só quero alguém para nomear os meus defeitos. Às vezes eu só quero alguém. Nessa vida a gente se sente tão só. Mais que um é tudo que a gente precisa. Segura aqui, mão com mão é afeto. Afeto com mão é corrente. Corrente segura. Segura aqui, amor, que um dia o amor acaba. (Resistiremos sempre. Resistiremos à tudo. Resistiremos sempre à tudo, menos às tentações).

4 comentários:

Mayara disse...

Excelente. Adorei o formato desse texto, e tá tudo muito bom mesmo. Sério, parabéns.

Carlos Lopes disse...

nossa que bacana seu blog ta de parabens ju beijos

Anônimo disse...

So please, please, please... Let me, let me, let me...
Let me get what I want, this time..

Julianna Motter disse...

Good times for a change.