terça-feira, 2 de novembro de 2010

Whisky.

À 200km/h do desespero total ou do retorno, as árvores são apenas nuances, e a chuva é tão forte que escorre através do vidro dianteiro, pelo rosto. E as nuvens e as luzes formam uma constelação de manchas. Ninguém sabe porque vai embora. A gente inventa desculpas, e manda cartões-postais mas, no final, ninguém sabe porque foi embora. E em meio a todo o couro, a fumaça. Que desenha pontos pretos por todo o corpo, e enfim prepara para um enterro. Trajar-me-ei de preto, feito a vida fosse um um luto eterno. A gente sente tanto medo. A gente sente tanto quando vai embora. Eu sinto muito. Dá aquele medo de olhar para trás, e de olhar para frente, e de olhar para os lados, e de ver todo mundo olhando de volta. E os conflitos são tantos e internos. E, de repente, a gente já não sabe para onde está indo. E para o carro, e para tudo por um instante, um instante apenas. É tudo a se pedir, e nada a se receber. A gente sente tanto medo. E, de repente, é só mesmo medo que a gente sente. Sem nem saber a feição da figura que nos assusta: foi medo de ficar sozinho ou de ficar apenas? A gente sente tanta dor. Vai arrancando os dentes, as cutículas, e pedaços avermelhados do peito. A gente até tenta. Engatinhando, caminhando, caindo, correndo. A gente corre. Pra dentro de si ou pelas avenidas da cidade. Eu sei que eu preciso ver o mar. Eu fui embora para ver o mar. E não adiantaria ter dito que não se tem um por aqui. Eu sinto. A brisa, o calor e a umidade. Eu me deito e sinto que estive à deriva o dia inteiro, e me sinto ainda boiar nas ondas. E cansado, e ofegante. A gente deita. Mas nem sempre está ali. A gente sonha, e são muitos os sonhos. A gente vai sonhando devagar, para perdê-los da memória rapidamente depois. A gente está deitado. E, de repente, esse sonho todo é só um pesadelo. E a vida é todo esse pesadelo. Que vai doendo devagar, para ser perdida rapidamente. A gente escreve umas pequenas memórias em um diário. E pega para ler depois. E parece termos vivido um sonho. Você deve achar que sou um louco, sentado aqui te falando essas coisas. É que, vai ver, você me passou essa cumplicidade. Você me olha com esses seus olhos. E está tudo bem. É que a gente pensa, e pensa que pensando, a gente vai embora e chega em algum lugar. Você me sorri com esse seu sorriso ébrio. E está mesmo tudo bem. Mas não deixo de me preocupar, e dessa vez falar de um jeito que talvez você até mesmo me entenda, I wonder if we'll have enough whisky to save and get through the rest of our lives.

3 comentários:

Super Delarge disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rafael. disse...

Li pouco, mas volto depois. Muito bom.

Diego Nathan disse...

Li esse texto no meio de uma cagadinha. Fazia tempo que não era tão bom. Nem reparei no padrão da maçaneta nem no bolor do teto ou que muitas pessoas usam esse tipo de privada.
Não se ofenda. Meu intestino é preso - foi uma glória. Muito bom.
Não gosto muito de ficar apertado. Dá pra sair outro desses até quarta?