sábado, 6 de novembro de 2010

Girassóis.

Que seja eterno enquanto dure, e jogou o cabelo para trás, empurrou o lençol com os pés, apertou as pernas, e segurou minhas mãos. Estava tão angelical à luz-da-manhã-nublada-atravessando-as-frestas-das-persianas, falando com sua voz tão mais doce, e seus olhos cheios de infância e remelas. Aquilo foi amor de verdade: aquele momento em que eu a imaginei toda suja, atirada na sarjeta, e mesmo assim eu a olhando do mesmo jeito: daquele jeito que parece possível fazer o mundo parar: daquele jeito em que o mundo todo é, de repente, dois braços, duas pernas, um sorriso, e menos de dois metros de altura. Não foram muitos os momentos da minha vida que eu soube definir. Eu me senti só, por várias vezes: eu me senti só. Só que nem o único girassol no jardim do meu prédio. Ao qual arrancaram na semana passada. Eu me senti só por vários anos, e verões, e primaveras, e outonos, e invernos, e vidas. Eu me senti só nas várias outras vezes que vivi. Aquele foi o momento em que eu parei e, finalmente, consegui acompanhar a expansão do universo. Eu precisei de um abraço. Eu precisei abraçá-la porque, de repente, eu acreditava na salvação. O girassol, eu não sei se ele foi para um lugar melhor, se foi enrolado por uma fita e serviu de declaração de amor, mas foi mais ou menos isso que aconteceu comigo. Eu fui entregue à ela. Eu fui me entregando aos poucos. Cada parte minha, inclusive aquelas que descobri no caminho. De repente eu estava na sala, em um vaso com pouca água. E eu não sabia nem como me dizer que estava tudo bem - pois nunca estivera. Aquele momento foi um daqueles nos quais as mãos são dadas, e a gente se diz em voz baixa, choramingando, passou-passou-respira, e soluça. E então volta a ter seis anos e medo de escuro - que na verdade é uma metáfora, e é mais medo da solidão do que de qualquer outra coisa. E quer gritar pela mãe e esperar que ela venha para fechar o armário entreaberto, negando todas as portas que si mesmo fechou. Todas as portas em que, em si mesmo, fechou. É que, quando fica tudo bem, e a gente sabe que está mesmo tudo bem, a gente sempre coloca a toalha no pescoço e espera que o ruim volte, ou se crie, como um monstro de areia movediça. A gente se assusta até mesmo com o susto. A vida é ciclíca, e essa coisa de copo-meio-cheio-ou-copo-meio-vazio, eu digo: contanto que seja com conhaque. A gente vai pagando esse preço de se entregar - até mesmo quando jura que não foi entrega, que apenas molhou a ponta dos pés na piscina gelada -, é quando a gente diz que está tornando mais descrente e começa a procurar mais coisas nas quais acreditar. Aquele foi o exato momento em que meus olhos amuados sussurraram por favor, me salva dessa escuridão e seus olhos não souberam bem o que me responder e sua pele decidiu aquecer a minha para não encouraçar o silêncio. E você soube, ali você soube, que eu me sentia tão só, e que, à partir dali, eu depositaria todo o meu peso, amor, dependência, e enfado em você. Eu passo muito tempo pensando no que veio depois. O que restou do nosso amor ficou...no tempo esquecido por você..... Será se eu fui esse tempo que você esqueceu? Eu ainda te amo muito mais do que qualquer um poderia. Eu passo muito tempo sofrendo, suando frio e me dizendo que são esses os tempos de cólera. Eu passo muito tempo me olhando no espelho, o quão pálido, o quão arroxeado, o quão desnutrido, ressecado e esmagado...não foi culpa sua, eu nasci assim, meio morto. Afrouxo o nó da gravata, coço meu queixo, e passo o tempo pensando que é meio cortante isso de seja-eterno-enquanto-dure para quem quis que fosse eterno.

Um comentário:

Eduardo Lara Resende disse...

Excelente texto, Juliana! Parabéns!
Estou em http://pretextoselr.blogspot.com/
Abraço grande.