segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Aurora.

Não sei que ventos trouxeram-na, mas naquele momento, naquele exato momento, pareceram tão fora de curso. Não iam fazer chover, não iam levantar sua saia, mas trouxeram-na, feito fosse uma pena esbranquiçada no meio do caminho, que cautelosamente, subiu do asfalto para a calçada, e pôs seus pequenos pés ao lado dos meus. Vestida de azul, com sua voz branda, mas grave, entrou-me pelos ouvidos. Não sei que caminho tomou, mas naquele momento, naquele exato momento, parecia fora de curso. E foi bater direto no coração. Pareceu-me um soluço preso na garganta, seguido de um refluxo de palavras que não cabiam ali. Podia até negar - como ainda posso -, mas seu encanto ia além dos contos, e dos cantos, que conheci vida afora. Minha carne trêmula contraiu-se estando ao seu lado: não posso, não posso, não podemos. Eu disse, não dissemos. Ela não queria - ou precisava - saber. O que eu queria era tocar seus finos lábios, marcados por vários outros, supus. E não era exigente, bastavam-me as pontas dos dedos, ou que roçassem minha barba. Não precisava tocá-los com os meus, pois podia esconder a vontade, vestí-la de simpatia e admitir o charme. Procurei-a tanto em outras vidas: algo no fundo dizia-me. Mas encontrei-a na errada. Queria dizer que era tão bela, mas bela de um tanto, que não parecia verdade. E não era o rosto simétrico, ou o corpo magro. Era o que dizia-me com aqueles olhos, meio querendo que fossem meus, meio estando abandonados.

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