quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sono Profundo.

Andava pelo cinzento da noite, de língua acesa e cigarro afiado. Um par de botinas empoeiradas, solidão pendurada nas costas. Esbarrei-me nela enquanto confundia-me com os passos. Encontrei-a meio acidentada, atropelada, ainda com marcas de pneus - cantaram, como cantaram -, e roxos nas canelas pálidas. Tinha um quê de figura conhecida do passado, com seus cachos caídos nos ombros e seus olhos molhados. Pareceu-me muito com algo que eu havia deixado para trás, mas não pude entender o quê. Achei ter encontrado uma companhia para trocar uma idéia, mas mesmo estando efusivo, ela permanecia calada. Tentei resgatar nas pilhas da lembrança, mas seu rosto era-me estranho, com cheiro de carro novo, de livro a ser folheado, lido, picotado. Quando perguntei como estava, quase deixou escapar uma palavra, mas esta saiu dos olhos: lágrima. Logo soube, era aquilo mesmo que ela lembrava. Empresto-te o ombro, a cama, a coragem. Como pude não reconhecer...não foi a primeira vez em que, no desespero, eu esbarrava. Achei, então, tê-la encontrado por estar destinado a isso: a querer ser o herói de alguém de novo. Ainda que não julgasse-me capaz, e que estivesse esgotado. Quando encontrei-a foi quando reabri os olhos, como se acabasse de nascer, e estivesse vendo o mundo de novo, um novo - suponho, pois não lembrava-me da sensação de vê-lo pela primeira vez. Se eu nunca a tivesse visto, eu nunca teria acordado?

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