sábado, 11 de julho de 2009

Conto(u)

Calado, via no movimento dos lábios dela a formação de uma Sonata. Exorbitante, ela contava sobre sua ida à Europa entornando uma taça de vinho francês. Em uma mão segurava a taça com seus poucos goles, enquanto a outra repousava confortavelmente na perna de um italiano que havia conhecido na viagem. Juravam, em uma língua que era a ele desconhecida, que amor não se conquista com o tempo, como em uma batalha por terras inimigas, mas sim quando dois pares de olhos se encontram e dialogam pelo brilho que possuem. Ainda calado, ele fingia concordar, enquanto reparava na forma como a felicidade dos dois diminuia cada vez mais a sua. A conhecia há anos, e há anos esperava que os olhos dela não deixassem os dele falando sozinhos. Ela aproveitou para contar que estava de partida, ele quis acreditar que sua decisão foi tomada junto aos goles de vinho. Acreditou com a mesma ingenuidade e esperança com as quais as crianças acreditavam no Papai Noel, mas sabendo, mesmo que sem querer, que nesse Natal não ia ganhar seu presente. Seu presente seria entregue do outro lado do mundo, na semana que seguia. E foi. Sem delongas, sem despedidas. Ela, nem sempre, mandava notícias, mas ele esperava sempre recebê-las. Beirava seus sessenta anos quando a morte veio avisar que iria tirar-lhe a vida. E tirou. Antes disso, esperando notícias, esperou que ela esperasse as dele. Extraviadas no caminho, chegaram várias vezes ao destinatário errado, até chegarem nas mãos certas, quando a última notícia que se tinha do remetente podia ser encontrada no obituário do jornal local. Seu amor fora um fóssil, encontrado por ela naquela carta. O molde de seu coração em letras miúdas, gravado pela tinta de uma caneta perto de seu final.

Um comentário:

Marina Borges disse...

Ju, tá demais, sem palavras pra descrever, sério. Acho que você deveria explorar mais esse seu lado.

Beijos, miggs.