domingo, 27 de outubro de 2013

Para onde vão os grandes amores?

*Esse meu texto foi publicado no http://entreasvistas.web73.f1.k8.com.br/category/entre-linhas/
Ao longo das crônicas dessa coluna, vocês vão perceber que o meu ir é sempre o voltar para esse mesmo tema. Por mais que resolva dar voltas e pincelar outras coisas, em um momento seguinte, acabarei retornando a ele: ao amor. Isso não faz de mim uma pessoa meiga, não precisa fazer barulhos agudos e querer me abraçar. Ir e voltar ao amor, à sua reflexão, não me torna afável, mas humana. Também não me classifica como romântica, e sim revela um fetiche pessoal. Sou um voyeur dos amores dos outros – e dos meus.
Dia desses, na internet, li algo sobre rever um grande amor. E a leitura ficou impregnada em mim. Nem tanto pelo conteúdo do texto, mas pela situação indicada. Isso, de “rever um grande amor”. Não quero definir aqui os tamanhos de cada afeto. Cabe a cada um saber do seu. Dos meus grandes amores, sei muito pouco ou quase nada – sei que não cabem no conceito de “tamanho.”
Essa minha incapacidade de dar a eles medida, pode te levar a uma outra conclusão sobre mim: de que só amo amores sem tamanho. Sim. Amores precisam ser desmedidos. Aqui, não pretendo me direcionar a quem ame com fita métrica e horário fixo. Já nos bastam as contas que chegam em um mesmo dia de cada mês, e o número de xícaras de açúcar que vão na receita do bolo, e o número de minutos que espero até o sinaleiro ir do vermelho ao verde. Eu quero falar do amor que, em algum momento, te faz perder o Norte. Mesmo que já perto no fim. Ou, o ainda mais e melhor, no êxtase adolescente do início.
Para onde vão esses amores que nos viram do avesso? Para onde foi aquela pessoa que te fazia pular e levantar os braços, entusiasmado com a sintonia entre os dois, a cada vez que saía de perto? Para onde foi quem subiu em uma escada de alumínio, na frente do seu prédio, só para alcançar sua janela e te deixar flores? Para onde o tempo levou aquela pessoa que deu seu próprio nome a uma pinta minúscula – e que nenhuma pessoa, além dela, veria – que você tem, desde criança, na barriga?
Como é difícil rever um grande amor. Por mais que anos passem, existe um choque que te impede de olhar firme, com os dois olhos, para aquela pessoa. E a culpa não é sua. Nem dela. A dificuldade está nessa lacuna: em que momento o “grande amor” abandona o corpo físico e se desfaz? Quando você passa a olhar aquela pessoa como um peso morto jogado no seu sofá da sala, um barulho incômodo que te impede de dormir? Com sorte, essa pessoa não sairá da sua vida completamente e retornará de outras maneiras: em pequenos afetos, trocas de favores no trabalho, ou em encontros casuais onde ambos se limitarão a conversar amenidades e trocar as mesmas informações pessoais que constam no Facebook.
Grandes amores não se refazem no convívio. Grandes amores não encontram espaços outros que não o da boa educação – isso, na melhor das hipóteses. Existem, é claro, exceções. Mas as quais não dou muito crédito. Para mim, essa enormidade de sentimentos e sensações, quando se transforma em amizade, ou em companhia para o cinema de toda quarta, mostra não ter tido a dimensão ou a profundidade imaginada. Grandes amores rasgam!
Quando um amor desses some entre duas pessoas – seja da parte de uma, ou de ambos -, os laços entre elas se desfazem. Perdem sua natureza. E para onde vão? Não escrevo no intuito de descobrir. Não acredito na existência de um espaço onde morre o amor. Talvez ele dilua na água gelada dos compromissos e da rotina, ou na monotonia. E depois que isso se dá, terreno-comum: grandes amores só são grandes enquanto amores, depois se reúnem as miudezas da vida.
O desejo que antes não se satisfazia no gozo, a vontade que não se limitava ao corpo, a presença que mesmo presente se fazia saudade: quando isso desaparece, entre esses dois corpos, não existirá nada se não o estranhamento. O desacostume. Parece extremo, mas é como se lhe fosse amputada uma parte. Você perde um membro. A pessoa se torna outra diante de seus olhos. Em algum momento, depois que acaba, é inevitável se perguntar: agora que não somos mais um grande amor, o que somos um para outro? E o pior: quem sou eu agora?
A sorte é que haverão sempre amores. Uns parecerão maiores. Outros mais apertados. Terão os livres, os neuróticos e os grandes amores de antes continuarão circulando por esse mundo. E será sempre estranho. Até acontecer tudo outra vez. E, quem sabe, a gente se acostumar com o fato de que, mesmo que não se perceba, o amor é algo tão grande que chega e vai embora por vontade própria, sem dar nem satisfação.

Nenhum comentário: