terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Parece grande...e é.

Já iam marcar sete horas no relógio quando, finalmente, resolvi abandonar o ar-condicionado do escritório para pegar o trem. Não era a pior hora mas, também, não era nem de longe uma das melhores. Não era um dia nublado, mas o sol parecia ter acordado um pouco tímido, acanhado. E como estávamos, ainda, em horário de verão, pude sentir um pouco da presença dele pedindo para se ausentar. No caminho entre o edifício e a estação de metrô, há uma cafeteria. Na verdade, consiste em uma porta minúscula, um balcão espremido entre as paredes, e a curiosa mistura de cheiro de água sanitária com os grãos de café recém torrados. Acostumei-me a estar, em todo fim de tarde, debruçado sobre o balcão engordurado. Tomando um expresso duplo, conversando amenidades com os donos do lugar - um casal de velhinhos, fugidos da Segunda Guerra Mundial. Não entendem, até hoje, as conjugações "deste tal português", mas bem gostavam de falar do passado, e falavam, riam, gesticulavam, até perceberem uma movimentação nas glândulas lacrimais. No fundo, acho que ninguém se sente confortável o bastante para desabar em público. Geralmente, quando chega Sexta-feira, enchem um saco de biscoitos amanteigados e insistem para que eu leve comigo para casa. Não sabem que eu precisaria comê-los todos sozinhos. Não imaginam o risco que isso apresenta para a minha barriga, meu colesterol, minhas crises de depressão. Já iam marcar sete horas deste dia em que, infelizmente, senti-me forçado a ficar no escritório por horas além do meu fim de expediente. Juntei todos os papéis e pus na pasta. Não aguentava mais a garganta ressecada pelo ar-condicionado, nem o café de garrafa insosso. O elevador sempre demora mais de vinte minutos para chegar até o décimo quarto andar, então costumo me antecipar e descer logo pelas escadas. Foi o que fiz, mesmo preguiçoso, cheguei ao térreo antes de escutar duas músicas inteiras. Caminhei distraído pela calçada, quase fui atingido por uma moto, mas ainda restava-me um tanto de sorte. Não sabia que precisava disputar por um pedacinho do balcão naquela hora do dia. Não sabia que, em alguma hora do dia, tanta gente se dispunha a espremer-se num lugar daqueles. Fui então saber que serviam a melhor coxinha de frango da região - antes, olhava para eles da forma que fosse, mas nunca imaginaria isto -, e a cerveja, disseram, estava sempre gelada. Meu café não teve muito espaço, e logo não vi solução se não substituí-lo por uma bem gelada. Três ou quatro colegas de trabalho estavam lá, então não fui de todos o mais solitário. Eles eram de outro departamento, mas sabiam meu nome após termos nos apresentado em uma confraternização de fim de ano. Eu confesso, era bem vaga, quase inexistente, a lembrança deles. Mas logo parecíamos amigos de longa data. Uma série de interesses em comum, e coisa e tal. Lembro-me que, na hora, a voz de Caetano procurava espaço para crescer naquele minúsculo espaço tomado por discussões fervorosas e cheiro de suor. Era uma das músicas mais populares, alguma das que findavam os dias de Tropicália. Ela já havia, por várias vezes, estado no mesmo elevador que eu - espero até duas horas para não ter que subir os vinte e oito lances de escada. E sabe quando acontece aquela coisa que ninguém sabe o nome? Aquilo que fica entre um calafrio e um estalo? Que sobe pela coluna? E trava a mandíbula? Não sou tolo, não vou me antecipar. Tornaria-se sim amor, mas depois, mais para frente. Ela andava com o nariz empinado. Tão empinado que seus olhos pareciam estar grudados ao céu. Tinha os lábios perfeitamente desenhados, daqueles que não poderiam ser se não daquele mesmo jeito. Os cabelos soltos no mundo, raramente contidos num coque. Logo fiquei sabendo que ela gostava daquela música, mas preferia as mais recentes. Fiquei sabendo, também, que ela preferia empada à coxinha. Tinha se proibido de comer fritura, só se não controlava em frente de um doce. Era apaixonada pelo Rio de Janeiro, queria ter nascido lá. Achava que assim seria menos dura, teria o nariz mais voltado para baixo. Tinha lido tudo do Nelson Rodrigues, gostava de escrever nas horas vagas, mas era difícil encontrar inspiração. A casa andava tumultuada, a irmã tinha se separado e precisava ficar uns tempos dormindo no sofá. Não se davam bem, mas ela não se perdoaria se não honrasse os valores familiares. Tinha, recentemente, dado sua cadela para a sobrinha de uma amiga. Não tinha tempo para o carinho que precisava dar, disse. Nem imaginava o tanto que esperei saber seu nome. O tanto da sorte que dei ao ter ficado, um dia, mais tempo no trabalho. Encantamento, foi o que a destacou de todas as outras. Tornou-a objeto de interesse. A gente se fala, com alguma frequência. Ela me recomenda um livro, comenta sobre um artigo que leu. Vê em mim coisas que eu nem sabia que tinha. Um apreço pelas coisas bonitas. Ricas de vida. Nem sabe que durmo pensando nela. E que, quando eu falei de amor, é que meio que foi virando essa coisa. Em que eu amo a forma como ela sobe no palco e desregula a vida. Como ela se sente pequena e mesmo assim não recua. Ela nem imagina, mas vou dormir abraçado com a vontade que tenho dela. Ela nunca imaginaria, só me vê caminhar por aí. E só caminhando ninguém alimenta um querer tão grande. Ela acha que, tudo bem, só a conheço, mal sabe o tanto que a desejo.

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