segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sobre o Amor.

O relógio de pulso tiquetaqueava, mas não tiquetaqueava como tiquetaqueteiam normalmente os relógios todos. Naquele dia, naquele específico dia, o céu parecia mais claro. Ao mesmo tempo que estava mais escuro, sombrio. O céu parecia um outro. Pareciam tê-lo virado do avesso, como se fazem com colchões de tempos em tempos. Aquele lado do céu, parece, eu ainda não tinha visto. Tinha umas manchas de xixi ali, uns gozos por lá. Parecia que muita gente tinha sido feliz daquele lado. Parecia que muita gente tinha aproveitado, deitado, se deleitado por lá. O vento também não parecia o mesmo, batia leve no rosto, empurrava os fios de cabelo para o horizonte. Eu me sentia sendo empurrado para trás, mas a vontade é de cada vez esticar mais o pescoço para ver se o que vinha pela frente chegava mais rápido. A grama estava bem verde, o trânsito fluindo bem. A temperatura era de em média alguma coisa fresca com pancadas de calor infernal. Quando chegou a noite, choveu. Mas eu não reparei por quanto tempo. Eu só queria representar tudo aquilo que havia visto. Chegar e dizer que viraram o céu e que, talvez, o lado que antes era nosso, talvez agora fosse de outros. Eu só queria escutar as pessoas me dizendo que eu devia pegar leve com o pó, não misturar tanto com whisky, e beber muita água. Eu estava magro ossudo esquelético e todo mundo punha a culpa na cocaína. Todo mundo culpava a coitada por eu nunca mais ter desejado um prato quentinho de macarrão, ou umas pernas gélidas na madrugada. A verdade é que eu só não andava afim de comer nada, nem ninguém. E o mais hardcore de tudo que eu consumia eram umas cápsulas de maracujá concentrado - existem noites em que dormir é o que há de mais trabalhoso. Naquele dia eu quis ter alguém querido me esperando em casa, com uma xícara de chá quente, hmmm, um chá de canela, um abraço apertado. Aquele dia causou umas cólicas existenciais em mim. Eu senti muita falta do corpo dela suando no lençol. Mas quem era ela? Quem era eu, afinal? Senão só mais um, mais um sendo mais um no mundo. Essas coisas solitárias, etc e tal. Eu senti falta da felicidade dela fazendo feliz a minha tristeza. Sei lá, dela toda, sentada à mesa só de lingerie, na ponta dos pés atravessando o quintal. Eu senti tanta falta dela que, nisso, acabei por sentir falta de mim. O ventilador ligado, o barulho das paredes rachando cada vez mais pelas infiltrações. A gente costumava ficar tão doidão, atingir esferas tão altas, que dava pra escutar até as vozes pelas paredes. E eram vozes dos tijolos mesmo, do rejunte, da tinta. Todas as vozes que participaram do processo inteiro até que tudo aquilo existisse. Se a gente não quiser ser feliz, a gente vai querer o que? Só me ocorre, então, o sorriso dela, os dentes amarelados, o cheiro de cigarro, mas a beleza: que despencava sobre mim. Por que você não escreve sobre a gente? Por que você nunca fala sobre mim? O problema é com o meu nariz? Sei lá que cisma tinha com seu nariz, mas insistia que eu dissesse que ela estava em tudo, tudo, absolutamente tudo, que eu fazia, pensava ou realizava. Queria saber, com todas as letras, que existia e me atravessava, e me completava, sem nem desejar o mesmo para si. Uma coisa é falar do amor, outra coisa é se confessar apaixonado. Acabava por fazer os dois. Teorizar, argumentar, dizer tudo aquilo que já havia sido dito, reafirmar, reinventar uma forma de dizer "ou, licença, eu preciso de você". Inventar maneiras de trazer o mundo cada vez para mais perto. Sem desculpas para nenhum de nós se cansar ou ir embora. Do que o amor nos faz padecer? De verdade, se em alguns momentos, já não basta mais a carne, já não bastam as palavras, os corpos nus, se transcende e ultrapassa o desejo, o querer bem. Se de repente é encanto, em outro momento à primeira vista, se depois se tornar uma conquista sem fim, um reconquistar, um administrar e dividir as contas. O que é o amor? A gente morre e nasce dele? Como isso acontece? Como o amor pode ser um modo de nos perdemos e nos reencontrarmos de outra maneira? Ser um tudo numa coisa só e, ao mesmo tempo, nada? Naquele dia eu quase bati o carro, e quase fui parar na porta da casa dela. Queria espiar, ver se as luzes estavam acesas. Naquele dia, diferente dos outros, as horas não pareciam eternas, e as coisas todas pareciam estar só de passagem. A ordem - se havia uma - parecia desfeita. Eu, mais uma vez, parecia ser só eu. Um indivíduo qualquer. Dono e mestre de coisa alguma. Mas por algum motivo, para mim, as nuvens pareciam, naquele dia, especialmente mais bonitas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Só pra me confundir, eu sei.
Você parece uma pessoa tão normal.
Você me fez acreditar que sentimentos -(nem sempre são banais)

Anônimo disse...

Só pra me confundir, eu sei.
Você parece uma pessoa tão normal.
Você me fez acreditar que sentimentos -(nem sempre são banais)