sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ao Gosto.

Na agonia de não fazer nada, de deixar que a ferida seque, que o sangue seque depois de escorrer e escorrer do couro cabeludo até a ponta dos pés. De deixar que o tempo me limpe. Ou te limpe. Ou nos limpe. Para parecermos, se não santos, ao menos, mais puros. Menos amargurados, azedos, cruéis. Para fingirmos que não fomos medíocres o bastante para depositarmos nossa fé e nossa força em algo que não tem pé, nem cabeça, nem muito menos final feliz. Dá raiva. Saber que é tudo assim. Que tudo sempre acaba assim. Que ela segurou minha mão, depois de segurar a sua, antes dele segurar a dela e, ao mesmo tempo, a minha, e que todos ficamos girando, pulando, numa ciranda sem fim. Onde tudo vai e volta. Ou então se disfarça e depois aparece com outro nome. Estava tão seco que as lágrimas secaram antes de saírem dos olhos. E era tudo dourado. Às vezes parecia estar pegando fogo. Depois era branco. Depois era prata. Depois era cinza. E não haviam mais águas nos lagos. Era quando as pálpebras se deitavam independentes do resto. Abri uma garrafa de vinho, sentei-me na sala, as costas bem apoiadas na parede. O piso estava bem frio para dias de Agosto. Gole por gole eu fui reconstruir meu passado - acreditando ser possível não deixar passar nenhum cílio ao rememorar anos e anos. Primeiro o êxtase, depois a decepção. Decepção no sentido de saber que as coisas sempre percorrem a mesma linha. Só mudam as pedras. Que pedras? Foda-se, uma forma de demarcar do caminho. Entrelaçando forte os dedos e dizendo: por lá voltaremos. E não voltamos mais. Só afirmamos a consciência do retorno para dar segurança de que, se algo, qualquer coisa, der errado, saberemos por onde voltar para fazer tudo certo de novo. A gente se esquece dessa possibilidade de segunda terceira quarta quinta infinitas chances. É como sair para um mergulho. Ir conhecer as cachoeiras. Estrada de terra no calor de Domingo. Tão lindo, tão sol, tão belo, e caímos. Desperdiçamos os anos, estouramos os limites, riscamos os dias. No fim - quando há um - não há mais nada. Não há nada de romântico no amor. O romance está na solidão, e nas maneiras que buscamos para livrar-nos dela. A verdade é que só se é livre quando se torna possível diferenciar as coisas. Amor de solidão. Mágoa de aflição. Tontura de ideologia. Quando eu te conheci pensei que tinha os olhos mais tristes que já tinha visto. Mesmo eles sendo grandes e redondos, era como olhar para um cômodo sem quartos, algo que não quisesse ter nada que pudesse relembrar o passado. É como se carregasse um fardo que, de tão grande, acabasse fazendo o esforço ao contrário. Eram uns anões que te suspendiam e faziam com que você levitasse, para que não estivesse com os pés no chão, mas que para também não ficasse tão longe. Haviam dias em que você acordava parecendo que aceitaria viver tudo de novo, mas essa impressão logo passava. Nunca pude afirmar com certeza se seu nome era realmente seu nome. Se suas palavras foram sentimentos ou somente palavras. Não posso negar, me enlouquecia vê-la sempre desnorteada daquele jeito. Mesmo que eu amasse, sem exceção, cada um dos seus poros. Quando as coisas começavam a parecer passado, era quando você ia escapando pelas beiradas. Um jogador que simula um desmaio para sair, sem aparente culpa, do campo. Não escutei fechar a porta. Houve um momento em que sentei-me na varanda, tirei os sapatos, depois as meias, escostei os pés no chão gelado: esvaziei, como uma bexiga depois de muitas horas exposta à luz. Não importam quantas horas, nem o número de dias. Não me importa se demasiado tarde ou quase cedo. Se viram nas cartas ou se foi só um aperto no peito. Há algo que incomoda, mas que ninguém vê: é a incerteza. Com a certeza de tudo ou não. Carregados de mágoa, malas ou de nada. Nós vamos atravessar Agosto.

4 comentários:

Amanda Arrais disse...

Não conhecia ainda e me apaixonei.

Parabéns pelas palavras.

Anah Luizahh' disse...

O melhor texto teu que eu já li, nesse quase um ano acompanhando o blog...
Congradulations!

Anah Luizahh' disse...

P.S.: ''A verdade é que só se é livre quando se torna possível diferenciar as coisas. ''
Roubei esse pedacinho do texto - extremamente perfeito- pra gravar na minha parede do quarto... Teu nome ficará gravado lá também... Se importa?

Diego Nathan disse...

morreu?