quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Amor Morreu.

O homem usa as palavras da forma que lhe convém.


Amor. É como um dia te chamarão. Eu te chamarei. Que serei chamada. Nome que, antes de sê-lo, é conjugado. Em primeira pessoa, com a esperança de não ser apenas uma só. Só mais uma. Paixão. É aquilo que dá, mas passa. Que, na maioria das vezes, não se sustenta sozinho. Que, muitas vezes, ninguém vê acontecer. Mas que não precisa realmente ser visto. Desde que seja mútuo e, então, muito provavelmente, concretizado. Concreto é aquilo que sufoca a gente. Que transforma, molda, ergue, ou nos enterra junto aos vermes. Nos prende por lá para sempre. Sempre no sentido de eternidade e, por isso, ingenuidade. Como acreditar em santos, sem nunca ter assistido um milagre. Como ser que nem todos os outros, e alimentar em si o que há de mais indigesto: a eternidade. Eternos serão todos e tudo, desde que não vivam em nós. Qualquer ser, que for realmente humano, tende ao pessimismo. E até prova da depressão. Nada do que é belo pertence a aquele que tem a palavra. Só é o ideal se não for meu. Como se nossas próprias mãos só fossem capazes de manchar e destruir as coisas. De desvirginar as flores. Através das flores a gente diz as coisas que não sabem ser ditas sozinhas.
Bom dia, amor. Meu amor, em carne, osso, com cheiro de lavanda, abrindo a boca perto da minha nuca. Nossa, como eu te amo...já disse isso hoje? Contei desse amor tanto? Pois se ainda não, é porque o dia só começou agora, há uns cinco minutos. Hoje eu acordei mais apaixonado do que nunca, percebe? Eu cosigo achar lindas até as remelas enfeitando os seus olhos. Se eu nos tivesse previsto, eu não teria me assustado. Se nos tivessem visto, isto não seria contado. Não teriam me acalmado. Sufocado por tanta pressa e concreto, você ainda conseguiu me apertar mais. Contra mim, contra seu corpo ossudo, suas voltas retangulares. Por todo o sempre é somente metade do tempo em que eu te quero comigo. Todo o tempo do mundo de um mundo que não tem mais tempo. Nada na vida vigora. Mas você é tudo para mim. Seu rosto de porcelana se arranha na minha barba mal feita. Eu te estrago, quase te anulo. É o medo de te perder. É um tremendo medo de te perder. Que me faz querer estar sempre contigo. Todo o tempo contigo. Eternamente só eu e você. Mas eu sei que tudo acaba. Sei que quase com certeza tudo acabará. Sei que não sou dos males, o pior. Também que não sou dos mais atraentes ou interessantes. E vivendo a gente se depara com tanta gente. Eu não te trocaria por nada neste mundo. Nem em um outro. Suas mãos miúdas, tenho certeza, são aquilo que me mantém de pé. De pé, cabeça erguida, vontade de ir adiante. Suas mãos, seus olhos, você dá cor a tudo. Bom dia, amor. Eu poderia repetir isto pelo resto desta vida, e das próximas que estejam por vir.
Bom dia, amor. Sinto muito mas, ontem, me ocorreu que nada disso existe. Nada. Nada de amor, nenhum resquício. Não só em mim. Em mim por você. Mas no ser-humano. No mundo. Não é amor. É uma relação de interesse. Não queria te entregar assim, logo de cara, já nas primeiras palavras, a verdade. Te dizer assim, como se não me doesse, que eu nunca te amei. Que nunca foi nada disso. Troca de secreções, sensibilidade nas genvivas, lábios inchados, o atrito entre nossos corpos, o afago. Nossos troncos dormindo encaixados. Um sono que parecia nos elevar para algo muito além da realidade. Distração, amor. Mesmo tendo dito, nunca senti saudades. Achei que sim. Egoísmo é querer que alguém seja seu para sempre. E a gente se prometeu ser assim por tantas vezes, né. Encostados na sacada, uvas moscatel e seu cheiro de flores recém-colhidas, eu apertava os olhos e jurava que não seria possível existir uma vida sem você. Eu me apertava contra suas dobras e te pedia para que, por favor, não escapasse. Nunca, nunca, em hipótese alguma, me deixasse. Confundimos tanto as coisas. Deixamos que elas nos confundam. Amor é coisa que dá e passa. Que só dá quando a gente quer que algo fique. Algo fique ali conosco para suportar a existência. Porque existir pode se tornar tão doloroso ao ponto de parecer insuportável. Não, não julgo a crença dos outros. A gente faz o que for possível para nos manter sãos. Agarra com unhas e dentes. Eu achei que precisava tanto de você, só de você. A única coisa que é natural ao homem é a sobrevivência. E a gente enfeita tanto. Porque não basta beber da fonte, não basta ter a mesa farta, temos que enfeitar a existência, torná-la mais agradável aos olhos. Quando na verdade só precisamos percorrer do começo até o fim. Inventamos problemas e, para isso, sentimentos. Nunca fomos amor, nem muito menos seremos eternos.

Nenhum comentário: