terça-feira, 20 de novembro de 2012

Azedo.

Aquele café da Índia é incrível. Me recorda do tempo que quase passei lá. Experimentei agora, perto do fim da tarde. Enquanto escrevia a resenha de um filme novo para o jornal. O gosto do café era tão, mas tão, incrível, que eu resolvi dar cinco estrelas para um roteiro que, se duvidar, não merecia nem duas. Espero que você não divulgue isto. Deve estar se perguntando: é sério mesmo que ele está me escrevendo para falar de um grão bem torrado?
Não. Eu estou te escrevendo porque há tempos não escrevo. Nem para você, nem para qualquer outra pessoa. Não tenho encontrado tempo para deixar o café esfriar ao lado do computador. A demanda de trabalho, na verdade, continua a mesma. Uma coluna por semana, dois comentários diários, e umas resenhas que surgem quando se enganam achando que entendo de alguma coisa. Tenho me ocupado integralmente em me distrair. Em não me deixar sozinho comigo mesmo. Só Deus - se ele existir, é claro - sabe do perigo que represento agora. Ouvi, esses dias, meu irmão mencionando a palavra "suicídio" uns passos atrás do meu nome. "Suicídio", mas que palavra boba para acobertar um ato que exige tanta coragem. Que palavrinha sem graça. Eu consigo imaginar mil e uma outras que capazes de expressar, ao menos, um terço a mais da vastidão desse sentimento. Sim, suicidar-se é como amar-se. Um sentimento, que vira verbo, e que parece egocentrado. Mas não é. "Eu me amaria", "eu me enciumaria" e, finalmente, "eu me suicidaria". No caso: eu me livraria de mim mesmo. Acho, ainda, que não por falta de amor próprio. Talvez se auto-valorizar demais. Eu me livraria do mundo. Talvez isso, quem sabe...quem sabe? Não eu. 
Embora pareça, e já tenha sido mencionada a possibilidade, eu não a avalio como real. Não está entre minhas pretensões. Me amo, ainda. De alguma forma bem imprecisa, mas amor sim, claramente ele.
Aliás, reconsidero o que disse antes: suicídio pode ser amor demais, mas também, pode ser logo o oposto: ódio de fazer pulsar os olhos.
Enfim, o que eu poderia fazer, contra mim mesmo, ainda não está claro. E temo, justamente, por não poder definir uma estratégia de saída. 
"Por que foi experimentar o café logo hoje?".
Sabe que eu ficaria bem deitado perto das prateleiras de livros infanto-juvenil?
Eu acredito, e ainda coloco minhas mãos no fogo, que tudo acontece quando e onde tem que acontecer.
E daí que se passaram dois anos? Talvez a poeira da gaveta tenha apurado o sabor. Quem sabe na época não fosse me agradar.
Vai que tudo em mim amadureceu...
Escrevi uma matéria a respeito do consumo de colágeno essa semana, fiquei inconsolável ao perceber que negligenciei algo tão essencial. Parece que com os anos eu aprendi a ignorar mais coisas do que a apreciar.
Mal me lembro daquela noite.
Apaguei até o rosto dela.
É que a lembrança - às vezes instrumento de paz - é capaz de machucar tanto.
Têm dias que largo todo o trabalho só para abrir a janela do escritório e olhar para baixo. São vinte e dois andares - contando daqui para baixo -, mais de 400 salas, cheios de pessoas que mal se sabem ali. Concreto e concreto, acabamentos e grampeadores, que nos impedem de notar qualquer sinal de humanidade.
Humanidade: capacidade de ser humano.
Parece, ainda, que estou vivendo um sonho.
Desde que você anunciou a gravidez.
Sua barriga espremidinha foi se adaptando a um outro viver.
E o poder sentir o seu amor junto ao amor por ela.
E o dia em que ela abriu os olhos?
O número de vezes que ligaram da escola.
Você não podia buscar. Nem eu.
Não estávamos presentes nem quando ela tirou a carteira.
Sabe que a vida sempre passa assim, sem qualquer pretensão de se tornar eterna? A própria vida tem pressa de acabar.
E a gente aqui achando que ainda vai ser alguém no mundo.
Não sei em que momento deixamos de ser amor para virar compromisso.
Dói tanto imaginar que aquele sorriso já não é mais dela.
Que as coisas nos preenchem tanto e, de repente, nem existem mais.
Eu sinto muito por não ter perguntado o que achou da comida indiana.
Eu sinto muito por não ter coragem.
Eu sinto muito por não ter estado lá.

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