segunda-feira, 14 de maio de 2012

Quase Dia 15.

De repente um vazio. Não é assim que esperamos encontrar o começo de uma grande história. Não é do vazio que surgem heróis, e nem é para lá que vão quando as forças se esgotam. As forças não devem se esgotar nunca. Nem dos não-heróis, principalmente dos Zés Ninguém. É preciso ter força para encontrar os motivos que nos façam levantar todas as manhãs, enxaguar os rostos e atravessar mais um dia. Por mais dolorosos, e quase insuportáveis, que dias possam ser. É preciso ter força, e disso ele não sabia. Ele nunca havia parado para pensar. Parado para pensar que aquelas pessoas alegres, seguras, de repente até efusivas, só sorriam porque se lembravam de fazer isso. Porque elas perceberam, bem antes, que a força precisa vir de dentro. Ainda que, às vezes, fingida, a vontade de sorrir tem que estar presente. De sorrir, mais do que a vontade de chorar, de fugir. O mundo só é bonito aos olhos de quem o vê assim. Ele vinha, desde seus primeiros anos, sendo uma pessoa declaradamente desesperada. Sentimentos em demasia fragilizam o homem. Fazem-nos questionar, inclusive, a necessidade da presença deste homem no mundo. Ninguém deve sentir-se humilhado. Ou permitir-se humilhar. Ninguém deve sentir-se menor na presença de quem quer que seja. Humanos, antes e acima de tudo. Altruísmos e generosidades à parte. O eu precisa vir primeiro. Ele precisava vir primeiro para si. Até porque doses comedidas de egoísmo fazem bem para os músculos, fortalecem a lombar, seguram mais no alto a cabeça que tende em cair. Livrai-nos de nós mesmos! Ele acusava e apontava a podridão que via no mundo. Que só ele via. Que só ele parecia ver. De vez em quando, a solidão e o sentimento de estranheza para com o mundo, até diminuía na presença de alguém que, curiosamente, viesse a estimular elocubrações e debates a respeito das injustiças tão presentes por aí. Mas se você está bem, faz parecer que o resto todo está também. Não, não seria preciso se enganar. Reparar sim, e profundamente, em todas as dores e sofrimentos que cercam nossas próprias áreas de conforto. Mas perceber que aquele amor descabido e, por consequência, acabado, não representa o fim do mundo. Fim de mundo algum. Era disso que ele sofria. Da maximização de suas dores, dores que não percebia como minúsculas. Desamparado, desestimulado, planejando formas indolores de partir. Indolores pois não tinha uma vontade real de morrer. E sim pequenos espasmos, que seus psiquiatras apontariam como surtos. Pensava no que poderia perder se tomasse a iniciativa e o ato final: sua carreira poderia, de repente, alavancar, seu bilhete poderia ser, desta vez, o premiado, seu índice de massa corporal poderia até diminuir se cortasse de vez a cerveja. Não conseguia se desfazer das noites rasgadas no boteco da esquina. Dos planos e fortunas divididos com outros seres tão sozinhos e fracos. Quero tanto sorrir sem precisar de grandes motivos - foi seu pensamento mais sincero. Foi sua vontade maior de mandar todos à merda. Os pais que julgavam sua capacidade de fazer algo de importante ou original. A mocinha com as unhas pintadas de preto, pela qual esvaziou metade do armário e deixou a barba crescer, e que decidiu ir para cama com um de seus melhores amigos, e com ele ter quatro filhos. A doceira que lhe deixou um par de chifres. A coroa que lhe arrancou a juventude para depois abandoná-lo sem nada, em outro continente. Tinha gente passando fome no mundo, e ele reclamando do aumento no preço do cigarro. Setenta e cinco centavos a mais que ele ainda poderia pagar. Que ele continuaria podendo pagar, sobrando dinheiro na conta, sobrando saúde. Sem grandes desgraças. Ele tinha motivos para sorrir só de estar vivo. E saiu vivendo-sorrindo portanto, e vivendo cada vez mais...


Força para sorrir. E que o resto venha...

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