segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Oceano.

Eu voltaria para te ver abrindo os braços para o Cristo, tomando banho de mar, entornando garrafas, ou me amando apesar de mim, como costumava dizer apesar de mim, eu te amo. Eu viveria de lembranças, mesmo tendo me dito que, de passado, só vivem os museus. É fraco, mas não dá para se esquecer. A gente tenta, vai pegando borrachas, mãos, aviões, vai esquecendo alguns dos detalhes do rosto, às vezes até confundindo com outro, mas fica. Mesmo que atormente, doa, ou até traga um ou outro sorriso. A gente tenta, mas lembra. E quando me pego, barba ruiva, sentado à beira do mar, há sete anos atrás, fumando um charuto, e bebendo uma Itaipava, tudo que pareceu ir embora, volta. Lembro exatamente de você ao meu lado, feito estivéssemos vivendo isso agora: pernas de índio, cabelos loiros ao vento, colar de contas, assobiando uma marchinha de Carnaval. Não tínhamos rotina, nem vontade. Acordávamos e logo estávamos sentados no mesmo lugar, acompanhando o movimento das ondas. Isso quando não dormíamos por lá mesmo, e despertávamos com a água molhando nossos pés. Passamos dias à fio e fome, vivendo de desejo e sol. Fazia calor, e não era pouco. Vivíamos grudentos e molhados, fosse mar, chuva, ou suor. Vivíamos grudados um no outro, cheirando à boêmia e descontrole. Não sabíamos o que mais acontecia, não queríamos saber. Éramos eu e você. Eu, você e o mundo. Mundo que sabíamos inventar e contornar tão bem. Seu colar de contas ainda está preso no fundo da mala que trouxe comigo. Acho que ficou bem por lá. Com sorte, ainda tem uns cristais de sal, um pouco de areia, e cheiro de mar. Você ainda é toda a minha saudade e tudo aquilo que sobrar dela. E me conforta relembrar dos pequenos detalhes. Como o dia em que você perdeu seu chinelo para o oceano, e saiu com uma alga presa entre os dedos. Ou a vez em que você resolveu fazer malabarismo para que ganhássemos algum dinheiro. Ou a constelação de sardas em volta do seu nariz. As únicas pessoas que ainda sei aonde estão, são as pessoas que perdi. E por isso ainda acredito que você não se foi para sempre. Pois até seu nome eu nunca mais ouvi. Mesmo que tenha sido por cautela alheia, e que, longe dos ouvidos, longe do coração. Se eles sabem, eu não sei, e é isso que agora me importa. Eu voltaria para te ter de novo em meus braços, enquanto você contasse estrelas, ou colocasse palavras e excrementos para fora. Na vida, não há nada que seja irreparável de tão triste. Mas os danos às vezes corroem, e a gente vai tomando formas até monstruosas. Hoje, posso dizer, que não sou o mesmo. O menino dos olhos doces, como você dizia, agora carrega gostos salinos e escorregadios. Mas isso faz parte do viver, e renascer, e construir, e derrubar, e até do amar. A gente se ajudou a crescer, e se transformar, mas a malemolência te cansou mais do que cansou à mim. Eu voltaria, só para te ver indo embora de novo. Eu voltaria.

Um comentário:

Marina disse...

"Eu voltaria, só para te ver indo embora de novo."
Adorei.