domingo, 24 de outubro de 2010

Cartada.

Sim, eu sei que por aí chove, e que, na última semana, você tropeçou e caiu, e sentiu dor. O que doeu em mim. E sabe, por aqui tem ventado muito, acho que tem faltado um pouco desse concreto daí para segurar a ventania. Mas anda tudo jóia, digo assim, no caso de você se perguntar. Ontem saí para andar de bicicleta, irônico, mas acabei estatelado no chão. Na lama, mais especificamente. Fui desvendar a floresta aqui do lado, depois de alguns goles de vinho. Vez em quando, quando esbórnia, quando ebriedade, quando excesso, ainda acho que sou menino, que meus ossos continuam firmes e fortes, que ainda tenho muito para aguentar. Mas aí me estatelo e acordo, assim como era de se esperar. Não pude me despedir como recomendado pela etiqueta, e não sei se você percebeu, mas te deixei uma carta. Não tão detalhada como esta, mas carta. Cartas servem, pois têm licença para tudo. Licença poética, licença para dirigir - palavras -, para serem atiradas no lixo, ou queimadas. Espero que tenha lido antes de ter tomado qualquer atitude radical, o que seria bem a sua cara. Não que a sua cara seja displicente ou impulsiva. Sua cara, digo melhor, seu rosto, é a coisa mais bela que já vi. Falando em beleza, ontem fui passear por um vinhedo, e até fiz algumas anotações sobre uvas, flores e gostos, as quais queria compartilhar contigo. Mas quem sabe em uma próxima oportunidade. Enfim, falando, também, em impulsividade, queria que você soubesse que estive planejando essas minhas férias - ou sumiço - há tempos. Economizei para a passagem. Perceba o singular, foi uma ida, só não sei quanto à volta. Não se martirize por isso, peço, se ainda puder te pedir alguma coisa. Nada disso tem a ver contigo. Nem comigo, às vezes acho. Parece que algo me possui quando menos espero, e aí eu afundo. E são esses aqueles tempos em que me tranco em casa, costuro mentiras para estar preso, e digo sentir saudades. São esses aqueles tempos de crise, caos, contenção. Bem, do que estou falando, você os conhece bem. Não escrevi essa carta querendo te pedir desculpas. Porque desculpas são a promessa de que tudo há de mudar. Não sei se mudo. Não sei mudar. E quantas vezes você disse que me ensinaria. E quantas vezes você falou para eu pular, mesmo sem enxergar o fundo. Acho que existe algo de, no mínimo, santo em você. Nunca vi perdoar, nem querer, tanto. Por aí sei que foram dias de inquietação e indisposição. Por aqui tem doído muito. Tudo me dói. Quando eu falo tudo, você sabe, é porque é tudo mesmo. Ou porque eu sempre precisei exagerar para me convencer de que sentia algo. Mas nesse caso, é tudo mesmo. Dói saber que te deixei aí, sem nem dizer que partiria, sem nem dizer que iria voltar. Porque eu não sei, eu não sei. Dói saber que, daqui um pouco, você me perdoa, por isso e por tudo. Mas o que mais me dói, é saber que você ainda me ama. E saber que por mais que você tente, e eu tente, eu ainda sou toda a sua vida. Toda ela. Sem tirar, nem pôr. Sem tirar férias, nem pôr para lavar. Eu sei que estou longe, mas daqui mesmo te enrolo em meus braços. E cheiro seu pescoço. E te deixo de lado...
Vê se se cuida.
Que eu te cuido também...

Um comentário:

Marina disse...

Uau.
Achei este texto maravilhoso. Nossa, mas de um tanto que é difícil até de dizer. Não sei, não sei.